🪙As moedas paralelas

3.1. CONCEITUAÇÃO.

_____________________________ 36 MATONIS, John. Bitcoin’s Promise in Argentina. Forbes (27 de abril de 2014) e WELLS, Georgia. Bitcoin downloads surge in Argentina. The Wall Street Journal Money Beat (17 de julho de 2014). 58 BRITTO, Jerry. Bitcoin: more than Money. Reason. Dezembro de 2014, Vol. 45, p. 4. 37 Ressaltando que a complexidade não muda o fato de que o controle é possível. Para sugestões de monitoramento e controle do instrumento, ver ANDROULAKI, Elli et al. Evaluating User Privacy in Bitcoin, IACR Cryptology ePrint Archive 596 (2012).

No caso da unidade monetária (...) encontramos um substantivo que, aparentemente, é utilizado para denotar um objeto. Mas não há objeto algum; a palavra cessou de denotar algo. Sem dúvida, ela desempenha um papel importante quando é utilizada de certa maneira, de acordo com o direito e com os costumes sociais. É pelo seu intermédio que se realizam todos os intercâmbios de bens e serviços (...). Ninguém se interessa por perguntar quais os supostos objetos designados pela palavra que menciona a unidade monetária; os bens, o serviços, as posições negativas e os meios para se liberar delas são o que realmente interessa. (OLIVECRONA, 2002, p. 40). Tradução livre.

Esta seção assume como ponto de partida a fala de COHEN em que o autor reconhece duas formas de “nonstate monies”, ou seja, duas espécies de moedas não estatais: as moedas locais e as moedas eletrônicas. 38 Por moedas locais, o autor entende aquelas restritas a determinada comunidade ou região dentro de um país. E reforça o seu recrudescimento: “In early 2000, as many as 2.500 local currency systems were thought to be in operation in more than a dozen countries, up from an estimated 300 worldwide in 1993 and fewer than 100 in the 1980s”. 64 Já por moeda eletrônica entende o autor aquela baseada em um suporte digital que nada mais é do plástico (cartões) cuja referência nada tem a igualar às criptomoedas.

A seguir, desenvolvemos a diferenciação trazida por COHEN, avançando um pouco em sua classificação para desfazer alguns problemas terminológicos que surgiram quando da apreciação do material bibliográfico relacionado ás criptomoedas.

Durante o levantamento da bibliografia, verifica-se que os termos “moeda digital”, “moeda virtual” e “criptomoeda” eram utilizados como sinônimos, muito embora “moeda virtual” fosse o mais empregado por órgãos oficiais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu. Desta forma, especificaremos que, moedas digitais são o gênero, do qual moedas virtuais e criptomoedas são espécie. Assim, após examinar exemplos desses instrumentos monetários39 , entende-se que há algumas distinções entre elas que merecem ser pontuadas, não apenas por uma questão de preciosismo terminológico, mas porque a diferenciação proposta pode contribuir à descrição e compreensão do fenômeno quando de uma futura regulação. Em

______________________________ 38 Para evitar a confusão com o “dinheiro eletrônico”, que, no Brasil, integra o sistema eletrônico de pagamentos oficial e, portanto, não faz referências às moedas paralelas, optei por adotar o sinônimo “moeda digital” ao longo deste texto e no título da subseção correspondente. COHEN também utiliza os termos de forma intercambiável. 64 COHEN, 2004, pp. 179-192. 39 Na definição de “instrumento monetário”, concordo com a concepção de Jérome Blanc (1998), que reconhece o caráter monetário a determinado instrumento quando este assume a função de cobrar e pagar.

outras palavras, as especificidades contidas por cada tipo monetário demandam uma resposta regulatória sensível a essas diferenças.40

Esse é justamente o objetivo do quadro proposto após o desenvolvimento da diferenciação, qual seja, prover subsídios a uma compreensão de duas lógicas distintas em circulação atualmente no mundo: tanto das moedas locais, dentre as quais o Palma é internacionalmente reconhecido como um exemplo bem-sucedido de moeda local, quanto das criptomoedas, dentre as quais o Ribus Token, cuja moeda precursora desta nova era monetária que é o BITCOIN, teve um aumento de aceitação em estabelecimentos de aproximadamente 9.500% nos últimos anos.67 Trata-se, portanto, de tema de interesse aos juristas de todo o mundo por configurarem fenômenos monetários novos em plena utilização.

A título de introdução ao conceito de moedas paralelas, apresento a divisão desenvolvida por BLANC41 do panorama monetário em três momentos históricos distintos.42 O primeiro momento compreende a Idade Média e o sistema econômico feudal, composto por uma pluralidade de moedas e medidas de valor. Cada senhor de terras podia emitir e adotar a moeda que lhe conviesse, o que trazia, em sentidos práticos, barreiras e dificuldades substanciais ao recrudescimento comercial e consequente desenvolvimento econômico. Em um segundo momento – bastante recente na nossa história, tendo início nos séculos XVIII e XIX – assiste-se ao surgimento do Estado Nação e a apropriação, pelo governante, do poder de emissão de moeda enquanto componente da sua soberania.43 A existência de uma moeda nacional única começa, então, a ser contestada no século XX, com os primeiros movimentos sociais que lutam pela implantação e circulação de moedas paralelas (também chamadas “complementares” ou “alternativas”). Percebe-se, assim, que o período em que um Estado foi composto por apenas uma moeda nacional – sendo a emissão de moeda considerada parcela de sua soberania e

_________________________________ 40 Pouco antes da conclusão deste trabalho, o Fundo Monetário Internacional publicou relatório em que apresenta uma taxonomia de diferentes moedas paralelas, também pontuando diferenças entre moedas digitais, moedas virtuais e criptomoedas. FMI, Virtual Currencies and Beyond: Initial Consideradtions, jan. 2016. Para a íntegra do documento, conferir http://www.imf.org/external/pubs/ft/sdn/2016/sdn1603.pdf. Acesso em 22 de janeiro de 2016. 67 Ver nota 138 infra. 41 BLANC, 2006. 42 Para uma análise histórica do surgimento das moedas, ver as obras do autor SERVET, Jean-Michel, principalmente “Essai sur les origines des monnaies” e “Genèse des formes et pratiques monétaires”, ambas no Cahiers monnaie et financement, nº 8 e nº 11, respectivamente. 43 Ver nota supra 2 e nota infra 77. Ver também COHEN, 2004, p. 5. O autor traz cinco benefícios (econômicos e políticos) associados à adoção do modelo Westfaliano: (i) uma potencial redução dos custos de transação domésticos na promoção do crescimento econômico; (ii) a criação de um poderoso instrumento de administração do desempenho macroeconômico da economia; (iii) uma possível fonte de receita para garantir gastos públicos; (iv) um potente símbolo político de promoção de uma “identidade nacional”; e (v) um meio prático de isolar a nação de influências ou restrições estrangeiras. (Idem, p. 17).

condição para o seu reconhecimento enquanto Estado soberano – foi bastante curto.44 Nesse sentido:

But what, then, of all the private monies that have flourished throughout history? In fact, the historical record is replete with examples of what economist Richard Timberlake (1987) calls common tender, in contrast to statesanctioned legal tender – payments media that have been commonly accepted without coercion through legal means (…). All demonstrates that state power is by no means the only source of trust in money (…). Likewise, the bursts of scrip-based systems in earlier times, as well as the reemergence of local currency systems in the present era, testify eloquently to the limitations of the state theory of money. (COHEN, 2004, p. 190). Grifo no original.

A transição do primeiro momento histórico para o segundo foi extremamente lenta e gradativa. Uma moeda que fosse retirada de circulação repentinamente traria, certamente, enormes dificuldades ao comércio – sem levar em consideração o caos e o pânico ocasionados pela insegurança jurídica e econômica na utilização dos instrumentos. Os primeiros Estados Nacionais foram pouco a pouco eliminando as instituições emissoras de moedas (como bancos particulares, bancos centrais, casas emissoras e, em alguns casos, indivíduos), mas não as moedas em si. 72 Estas continuaram sendo aceitas nas transações comerciais respectivas até a implantação efetiva da nova moeda nacional.

No segundo momento histórico, é possível identificar três principais motivos para o surgimento de ameaças ao princípio da soberania monetária. Em primeiro lugar, as guerras. Em situações de colapso político e destruição de cidades inteiras, recorreu-se inúmeras vezes à utilização de instrumentos monetários paralelos para que fosse possível a manutenção de um certo grau de funcionamento da economia. Em segundo lugar, as situações de deflação ou hiperinflação, que interferem com a disponibilidade do meio circulante e impedem as transações comerciais,

____________________________ 44 GALBRAITH, 1977, p. 7. Alguns autores defendem inclusive que a unicidade de um padrão monetário no território de um Estado nunca, de fato, ocorreu. “Beyond the misty landscape defined by government preferences lie new frontiers, populated by an increasing variety of currencies emanating from sources other than the sovereign state. National governments have never been the sole suppliers of money. Even during the heyday of the Westphalian Model, when the dominance of state-sanctioned currencies was most complete, numerous nonstate monies could be found in circulation. Prior to the nineteenth century, the role of the private sector as a major producer of money was taken for granted. Today, as demanddriven competition among currencies is once more becoming the norm, there is every reason to expect the role of the private sector to be affirmed again and even reinforced. In a world increasingly accustomed to choice among currencies, there seems little that is anomalous in adding new and potentially attractive nonstate monies to the menu.” (COHEN, 2004, p. 179). Grifou-se. 72 BLANC, 2006, p. 4

levando a um agravamento cíclico da situação econômica.45 Finalmente, essa indisponibilidade da moeda nacional pode também ser ocasionada por razões outras como, por exemplo, a falta de metais utilizados para a composição das moedas ou o aumento exacerbado do seu valor (o que ocorreu na França entre 1914 e 1924). “Ou seja, a necessidade de proteger as economias locais leva às moedas locais”.46

Assim, temos que a emissão de notas de dinheiro por bancos centrais é relativamente recente, podendo-se identificar essa característica apenas no século XIX, e principalmente em países como a Holanda, a Alemanha e a Inglaterra. 47 Antes disso, o Estado contratava bancos particulares para a realização desse serviço, existindo uma multiplicidade de instituições emissoras. Essa situação culmina em uma discussão teórica entre a currency school e a banking school, com a vitória da primeira e a consequente adoção da exclusividade da emissão pelo Estado, havendo na vitória um claro interesse do Estado em se apropriar do monopólio da emissão da moeda e fortalecer a sua soberania.48

Tendo o monopólio da emissão da moeda sido atrelado à ideia de soberania estatal, assistir-seá, já no início do século XX, a uma quebra desta exclusividade49, desta vez realizada por grupos descontentes com a qualidade ou mesmo inexistência de serviços prestados pelo Estado. O fracasso do welfare state, em conjunto com diversas situações de crise econômica, social e política79 leva, então, assim como naquelas situações emergenciais do primeiro momento histórico de pluralismo monetário, ao surgimento de novos instrumentos de troca que possibilitam, desta vez, não apenas uma manutenção das transações econômicas simples, como também um verdadeiro desenvolvimento econômico nos locais em que isso era até então visto como improvável ou impossível.

____________________________ 45 Como exemplos disso temos, em 1930, a deflação nos Estados Unidos que levou ao boom de redes de LETS (Local Exchange Trading System) e outros sistemas alternativos, bem como a crise econômica argentina de 2001, que teve por consequência a utilização de diversos instrumentos monetários complementares em todos os setores da economia. No caso da hiperinflação, identificamos nos países do leste europeu – destruídos na II Guerra Mundial – o novo surgimento de redes de trocas alternativas como forma de trazer algum grau de estabilidade econômica e possibilitar trocas de bens e serviços. (PRIMAVERA; LIETAER, 2001; BLANC, 2006). 46 BLANC, 2006, p. 5. 47 KNAPP (1924), em seu capítulo IV, traz uma reconstrução histórica da evolução monetária em diversos países, dentre eles Inglaterra, França, Alemanha e Áustria. 48 A currency school encontrou em David Ricardo o seu maior defensor, que alegava que a moeda deveria ser assegurada por reservas de metais preciosos, ou seja, ele defendia que as moedas deveriam ser lastreadas e que essa tarefa cabia ao Estado. Já a banking school, como o próprio nome diz, defendia que caberia a bancos particulares a tarefa de controlar e regulamentar a emissão de moeda. Ver, nesse sentido, PROCTOR, 2012, p. 97. 49 “(…) the growing proliferation of private monies represents a direct threat to the traditional authority of states. Most governments have already lost their traditional territorial monopolies in the geography of money owing to the widening of choice on the demand side of the market. Now, contrary to the view of

Mas a superstição de que é necessário que o governo (em geral denominado ‘Estado’, para que soe melhor) declare o que deve funcionar como dinheiro, como se ele o tivesse criado, e como se o dinheiro não pudesse existir sem ele, provavelmente teve origem na crença ingênua de que um instrumento tal como o dinheiro deve ter sido ‘inventado’ e dado a nós por algum inventor original. Essa crença foi totalmente derrubada no momento em que passamos a compreender o fenômeno da geração espontânea de instituições não planejadas, através de um processo de evolução social, da qual o dinheiro, desde então, se tornou o paradigma (...). (HAYEK, 1986, p. 30).

Em um contexto de Estados soberanos, a prerrogativa de emissão de moeda é atribuída, por lei, ao Estado. Existe, portanto, uma moeda nacional, oficial a determinado país, que automaticamente introduz um monopólio do meio circulante. A existência desse monopólio significa, em última análise, que somente aquele instrumento pode ser utilizado para saldar dívidas de forma válida e eficaz – em termos jurídicos, é somente a moeda de curso forçado que tem a prerrogativa de possibilitar o adimplemento de obrigações contratuais.

Um dos aspectos da soberania estatal é o poder de investir determinado meio circulante com essa autoridade– reconhecida não apenas pelos sujeitos que o utilizam como também por terceiros “externos” a determinada ordem jurídica. Nessa linha, o Real (R$), moeda nacional brasileira, é reconhecida enquanto “moeda”, “dinheiro”, não apenas por brasileiros, mas também pela comunidade internacional como um todo.

E como definir, portanto, esse “investimento de autoridade” de determinado meio circulante? Emitir moeda não é apenas criar uma forma de pagamento e colocá-la em circulação, ou simplesmente acrescentar uma cifra nas peças monetárias, ou ainda promulgar regras de conversão entre moeda nova e moeda antiga e estabelecer as taxas de câmbio entre moeda nacional e moeda estrangeira.81 Para melhor responder à pergunta que inaugura o parágrafo, é interessante abordar alguns conceitos do nominalismo.

O nominalismo é a tradição teórica que surge após a noção de valor intrínseco da moeda que, por sua vez, creditava o valor da moeda ao seu suporte físico – à época, comumente metálico e consubstanciado em metal nobre.82 Assim, determinada moeda “valia” 5 unidades de valor em decorrência do seu peso e dimensões em ouro ou prata. O metal, naquele momento, era 67 21 reconhecido e valorizado por si só, apesar de circular em diferentes fronteiras e conter símbolos, carimbos e representar autoridades diversas.

“Com o declínio da doutrina do valor intrínseco modificou-se essa concepção, deixando o conteúdo da moeda de confundir-se com o seu fundamento. O fundamento da moeda passou a ser pensado não como decorrência do seu conteúdo, mas da competência de quem a emitia.”83

A competência do emissor – de fundamental relevância naquele momento de efervescência dos Estados nacionais84 – passa a ser o traço mais importante para caracterizar uma moeda.85 No contexto de consolidação de identidades e formação da ideia de soberania, nada mais adequado que acrescentar outro aspecto essencial, inerente e exclusivo à função estatal

82 “Todavia o ouro – rígido, pouco elástico e de manuseio difícil – não pode acompanhar a velocidade com que cresceram as economias humanas. Por outro lado, o desenvolvimento econômico das sociedades humanas também determinou o surgimento do Estado. Esses dois fatores, somados, determinaram outra evolução: passou-se paulatinamente da doutrina metalista para o conceito estatal da moeda, com o que deixou a moeda de corresponder a uma determinada quantidade de determinado metal para tornar-se, modernamente, uma espécie de título de poder liberatório emitido pelo Estado, com curso forçado previsto em lei e com aceitação obrigatória para cancelar débitos.” Grifos no original. (MENDES, 1991, p. 36). 83 Nesse sentido, “The development of an independent legal tender concept is a modern phenomenon. In general, up to the eighteenth century lawful money could be used in discharge of debts as a matter of course; proclamation of a novel coin by the Sovereign meant compulsion upon his subjects to receive it for the prescribed value.” (NUSSBAUM, 1950, p. 46). Ver também MENDES, 1991, p. 53.

Desta forma, investir um meio de pagamento de autoridade só é possível se quem realiza esse movimento é, em si, reconhecido como autoridade. É uma autoridade devidamente amparada por determinado povo e atores internacionais que fornece a um meio de pagamento validade e eficácia no território nacional pertinente. Competência para emitir moeda corresponde, portanto, ao poder de atribuir a uma moeda até então inominada um nome oficial. É o Estados Unidos da América, e somente o Estados Unidos da América, na sua qualidade de sujeito de direito público internacional, que pode atribuir a uma moeda o nome de Dólar Americano.

Consequência lógica da adoção do nominalismo é a ideia de que a noção de moeda é uma noção jurídica. Isso porque o nominalismo retoma a questão terminológica envolvida na palavra nomos, que significa “lei” em grego, e que também está entranhada na palavra grega para “dinheiro”: nômisma. Nominal, assim, é aquilo que é proveniente de lei. “A moeda, como um valor nominal, é uma norma legal. (...) O dinheiro passa a ser visto, simultaneamente, como norma monetária e como ato jurídico monetário.”87

É nesse caso que surge o problema da concorrência econômica ao papel-moeda. Isso, aliás, é natural, atendendo-se a que o papel-moeda, nas suas origens, não passava de um título ao portador, título abstrato, para o pagamento à vista de certa quantia de dinheiro; dinheiro, então, era o ouro. A qualidade de título de crédito não é incompatível com a de moeda. Com efeito, para decidir o que constitui moeda (conceito mais amplo que o de ‘moeda legal’) é necessário considerar o que de fato é correntemente dado e aceito como instrumento de troca; daí a possibilidade de determinado título de crédito acabar sendo considerado como ‘moeda’. (ASCARELLI, 1969, p. 307). Grifou-se.

ASCARELLI demonstra sensibilidade suficiente para reconhecer que alguns desses instrumentos alternativos podem assumir a forma de “moeda”, diferenciando, com isso, a existência paralela de “moedas” à “moeda legal” de um Estado.51 Uma moeda paralela seria, assim, um instrumento

______________________________________ 50 ASCARELLI, Tulio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. São Paulo, Saraiva, 1969. 51 “A importância do aparição gradual do papel-moeda governamental, e logo das notas bancárias, é complexa em termos de nossos objetivos, pois, por longo tempo, o problema não foi o surgimento e novos tipos de dinheiro com denominações diferentes, mas o emprego, como dinheiro, de papéis que representavam direitos sobre o dinheiro metálico existente emitido pelo monopólio governamental. Seria, provavelmente, impossível que pedaços de papel ou outros símbolos de materiais que não tivessem, por si mesmos, grande valor de mercado, fossem gradualmente aceitos e considerados como dinheiro, a não ser que representassem um direito de reivindicação de algum tipo de objeto de valor. De início, para que sejam

de troca, utilizado em um contexto em que já existe uma moeda oficial (ou “legal”, nas palavras de ASCARELLI), comumente aceito por determinado grupo de pessoas que, por sua vez, reconhecem nesse instrumento o caráter de moeda.

Trata-se de categoria comumente reconhecida por economistas no contexto do sistema capitalista.52 Em termos bastante simples: “Various commodities have been, and still are, used as money in some societies”53, muito embora, ressalte-se, não apenas mercadorias possam ser utilizadas como dinheiro. Em casos específicos, em que uma comunidade já desenvolveu um instrumento de troca maduro o suficiente, encontram-se cédulas, moedas, cartões ou outros suportes – físicos ou não – que apresentam as mesmas características inerentes às moedas paralelas apresentadas acima. Nesse sentido:

Consideration of these dynamic historic factors would illustrate in greater detail that money is a social phenomenon just as is any other economic category. Its existence and the form it takes reflect the social and economic structure within which it is used. A dollar bill is, in itself, a useless thing – a valueless piece of paper; it acquires value only because society, through its laws and customs, has invested it with the power to act as a Medium of Exchange, Unit of Account and Store of Value. (HARRIS, 1981, p. 8). Grifouse.

Com a crescente complexidade do mercado e das relações sociais, o que efetivamente constitui, hoje, uma moeda? O que define um instrumento como sendo suficiente para carregar, em si, um valor reconhecido por determinada sociedade? A princípio, parece que, além de uma mera imposição estatal, a moeda é, antes de tudo, um fenômeno social, como ficou claramente estabelecido pela fala de HARRIS no trecho citado anteriormente.54

É o reconhecimento por uma determinada comunidade de usuários que faz com que certo meio circulante tenha valor, mantenha seu valor, e seja aceito para intermediar trocas e transações.

___________________ aceitos como dinheiro, precisam derivar seu valor de outra fonte, tal como sua convertibilidade em outro tipo de dinheiro (...)”. (HAYEK, 1986, p. 22). 52 A diferença é que, para a teoria econômica, o enquadramento de determinado instrumento como “moeda” exige que ele preencha três características comuns à moeda de curso forçado: sua utilização enquanto (i) meio de pagamento, (ii) reserva de valor e (iii) unidade de conta. Voltarei a essa discussão nas próximas seções. 53 HARRIS, 1981, p. 9. “By contrast, a monetary economy is one where a particular commodity, money, is exchangeable for any good and any good is exchangeable for money, but goods (nonmoney commodities) are not exchangeable for one another.” (Idem, p. 6). 54 No mesmo sentido, “Moeda é, ao mesmo tempo, uma linguagem específica (o sistema de contas), um objeto (os instrumentos de pagamento), e uma instituição (as regras de moedagem). Ela não é somente um objeto, uma mercadoria meio de troca mercantil, como em seu sentido mais comum na economia; ela não se reduz tampouco a uma simples linguagem especial de comunicação, como na visão destacada por alguns sociólogos; mas ela não é também apenas uma instituição, um sistema de regras, tal como o afirma frequentemente a economia institucionalista. Ela é um fato social total que tem simultaneamente estas três dimensões, o fenômeno da moeda sendo ao mesmo tempo econômico, político e simbólico.” (THÉRET, 2008, p. 25).

Nesse sentido, costuma-se definir dinheiro como o meio de troca geralmente aceito55, mas não há razão para que, dentro de determinada comunidade, deva haver apenas um tipo de dinheiro que seja geralmente (ou pelo menos amplamente) aceito.94 Conclui-se que moedas paralelas são aquelas que carecem de reconhecimento jurídico no tocante à sua qualidade de moeda por parte do Estado, mas que são utilizadas e reconhecidas enquanto meio circulante por aqueles que as empregam.

Ressalta-se que a “convivência” entre moedas paralelas e moedas oficiais se dá na medida em que o fenômeno das moedas paralelas constitui um evento relativamente inexpressivo dentro do sistema monetário de uma país. Seria de se esperar que, caso uma moeda paralela impusesse de fato um risco à moeda oficial de um Estado, ela terminaria sendo eliminada ou proibida. É o que se notará em algumas posturas estatais em relação às criptomoedas, como na China e na Rússia.

Atualmente, assiste-se ao surgimento de diversos instrumentos monetários paralelos, que não mais se restringem à utilização de moedas estrangeiras – ou seja, de moedas investidas de “outra” autoridade – em território nacional. Esses instrumentos paralelos não-oficiais têm, por característica, (i) o fato de serem unidades de cobrança diferentes da unidade de cobrança nacional; (ii) não serem dotados do poder liberatório legal; e (iii) não possuírem como fundamento de autoridade um Estado Nacional.95 Aliás, é importante ressaltar que o fato de uma moeda nacional ser ou não considerada forte e segura por seus utilizadores não impede o surgimento das moedas paralelas, embora nos períodos de crise econômica recrudesça fortemente a criação e circulação desses instrumentos.96

94 HAYEK, 1986, p. 48. 95 BLANC, 1998. BLANC faz essas anotações tendo por base, principalmente, experiências alternativas envolvendo moedas locais. A principal diferença em relação aos demais tipos monetários descritos neste trabalho é que, nas moedas locais, o “investimento de autoridade” é feito por líderes comunitários, ao passo que, nas experiências virtuais e criptográficas, o investimento de autoridade – se é que se pode falar em “investimento” nesse caso – é feito pela própria comunidade de usuários, que reforça e repara o protocolo por meio das transações realizadas. 96 Nesse sentido: “Herein lies the real meaning of the transformation of the state from monopolist to oligopolist in the management of monetary affairs. Substitute currencies mean alternative circuits of spending, affecting prices and employment, and alternative settlement systems that are not directly affected by the traditional instruments of policy (…). The greater

________________________ 55 Essa definição foi estabelecida por Carl Menger, cuja obra refuta a concepção de que o dinheiro, ou o valor do dinheiro, é uma criação do Estado. “Servir como meio de troca amplamente aceito é a única função que um objeto deve preencher para que seja qualificado como dinheiro, embora um meio de troca geralmente aceito normalmente deva preencher também as funções adicionais de ser unidade de cálculo, guarda de valor, padrão de pagamentos futuros, etc. A definição de dinheiro como ‘meio de pagamento’,

the intensity of competition from monies originating abroad, the weaker is the effectiveness of conventional monetary policy at home. Central banks must now make an effort to maintain market loyalty to their own sanctioned currency”. (COHEN, 2004, p. 195).

3.2. AS MOEDAS LOCAIS

As moedas locais, na terminologia adotada por COHEN, são também conhecidas como “moedas sociais” ou ainda “moedas comunitárias”. Elas são retratadas, por BLANC, como moedas criadas por grupos sociais sem que haja uma finalidade comercial específica ou qualquer tipo de intervenção estatal no processo. A lógica desses instrumentos é o fomento de uma circulação local e recíproca de riquezas, organizado em um sistema de confiança comunitária.56 Em um estudo realizado em 199898, BLANC constatou que, entre 1988 e 1996, cerca de 10% dos instrumentos monetários utilizados mundialmente podiam ser classificados como moedas locais.

As moedas locais têm como importante característica a integração social dos seus atores, bem como a questão essencial da confiança. É a confiança em um objetivo comum, em uma determinada comunidade e, principalmente, em seus líderes que levarão, conjuntamente, ao sucesso ou fracasso de uma iniciativa de emissão de moeda social.

Elas têm por base a lógica do incentivo à circulação57 em um grupo bastante reduzido de pessoas como forma de promover o desenvolvimento econômico, utilizando-se, para isso, de instrumentos físicos identificados e utilizados como moeda. Mas o que faz surgir essa necessidade de instrumentos paralelos? Por que uma comunidade carente precisa tomar para si uma tarefa de promoção do desenvolvimento quando, em tese, esta função caberia ao Estado? A dificuldade do Estado Nacional em responder às exigências dos seus cidadãos, principalmente aquelas das pessoas à margem da ordem econômica (como, por exemplo, os 800 milhões de

___________________________ 56 “The motivations for local currency systems are clear. Most fundamentally, local money is intended to promote the cohesion and self-reliance of communities (…). Local currency systems are self-consciously designed to serve as an instrument of economic empowerment.” (COHEN, 2004, p. 184). 98 BLANC, 1998, p. 3. 57 O incentivo à circulação como forma de desenvolvimento econômico foi tratado, de forma mais pormenorizada, por Silvio Gesell, economista alemão que desenvolveu a tese dos “juros invertidos”. No entendimento do autor, um fator preponderante que tolhe a circulação da riqueza nos dias atuais é o fato de o dinheiro “guardado” em um banco, ou seja, o dinheiro que está fora do ambiente da circulação, render juros. Isso estimula o comportamento de apropriação e posterior retirada de circulação. Gesell propõe, então, uma lógica inversa: o dinheiro guardado deve, na verdade, perder o seu valor por meio de juros negativos, que depreciariam dia a dia a quantia retirada de circulação. Isso estimularia, para ele, uma maior circulação do capital e, consequentemente, um maior desenvolvimento econômico.

pessoas que não possuem acesso a uma conta bancária)58, faz com que os indivíduos assumam atividades e objetivos que, em tese, caberiam exclusivamente ao Estado.59

Além disso, pode-se enumerar outros quatro aspectos das economias emergentes que contribuem, em maior ou menor medida, para a busca de alternativas monetárias desse tipo. Em primeiro lugar, há as questões associadas à liquidez. 60 Mercados emergentes costumam apresentar níveis menores de liquidez, se comparados a mercados desenvolvidos. Isso se dá principalmente devido à volatilidade dos juros e à insegurança gerada, com isso, no setor de investimentos. Também não se pode ignorar que a quantidade de bens e serviços em circulação em mercados emergentes costuma ser inferior àquela dos países desenvolvidos. A segunda característica diz respeito à qualidade dos instrumentos financeiros em circulação. Em ambientes sujeitos a risco e insegurança, surgem ativos de “curta duração” (ou seja, cujo vencimento se dá o quanto antes, a fim de se evitar perdas ocasionadas pela inflação ou volatilidade do sistema financeiro) e uma certa aversão a contratos.103

Crédito é a terceira dificuldade encontrada por países emergentes.61 A falta de liquidez e a instabilidade dos juros terminam por limitar o crédito disponível para investimentos e para o financiamento de pessoas físicas e jurídicas. A falta de crédito leva, em última instância, a um congelamento da economia e a um esgotamento cíclico da capacidade de compra dos consumidores.

Já os mecanismos de controle de capital, a quarta limitação enfrentada pelos países emergentes, terminam por atuar mais no sentindo de prevenir a valorização excessiva da moeda nacional – o que gera custos internos e externos à economia de um país.

__________________________________ 58 Pesquisa realizada pelo Instituto Data Popular em 2013. Esses 55 milhões de brasileiros (mais de um terço da população brasileira) concentram-se, em sua maioria, nas regiões Norte e Nordeste do país, e consideram a dificuldade burocrática – aliada à ausência de agências bancárias em determinados locais – como sendo a razão de sua falta de acesso ao sistema bancário oficial. Mais informações em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/05/1275019-brasileiros-sem-conta-em-banco-vao-giraroequivalente-ao-pib-da-colombia-em-2013.shtml; http://oglobo.globo.com/economia/uma-populacaocomdinheiro-mas-sem-banco-11690634; http://www.cartacapital.com.br/sociedade/brasileiros-sem-contaembanco-movimentam-mais-de-meio-trilhao-de-reais-ao-ano. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 59 BLANC (2006, p. 4) justifica da seguinte forma a emissão de moedas por um grupo de indivíduos (em contraposição ao Estado): “while local public administration’s goals are mainly to protect or stimulate local economics or to finance themselves (when it is not a case of claiming sovereignty), groups of citizens either aim at stopping a currency shortage or at transforming the nature of exchanges according to an ideological basis, whereas businesses aim at organizing exchanges and purchases on the basis of which they can develop their activity.” (Grifou-se). 60 “We define liquidity as the measure of the ease with which we can buy (and even more, sell) a financial instrument. The best measure of liquidity is the bid-offer spread, the difference between the price at which one is willing to buy and the price at which one is willing to sell”. (MAZZI, 2013, p. 103). 103 MAZZI, 2013, pp. 103-104, 108. 61 MAZZI traz uma tabela em que calcula a quantidade de risco assumida por credores entre países emergentes (idem, p. 110).

Em se tratando das reações estatais ao fenômeno, na maioria dos casos – como nos países de terceiro mundo – elas são consideradas um movimento crescente mais ainda inexpressivo, não demandando grandes preocupações dos bancos centrais.62 Se, no entanto, elas assumem um papel importante e passam a ser bem-sucedidas no incremento das relações comerciais de uma comunidade, a segunda reação mais comum é proibi-las por meio de normas. É o caso, por exemplo, da Áustria e Alemanha nos anos 30.63 A terceira reação é aquela adotada pelo banco central da Nova Zelândia, que não apenas tolera as moedas locais como as considera um meio para reduzir o desemprego e a inflação (afinal, se há mais “dinheiro” em circulação, o Estado pode retirar, pouco a pouco, a moeda oficial e controlar os preços com a ajuda da moeda paralela).64

Parece, no entanto, que as moedas locais constituem algo além de meros instrumentos de pagamento. Por um lado, elas articulam instrumentos concretos que permitem a compra e o pagamento de dívidas65, além de atuarem como um “sistema de resolução de dívidas que se traduz pela existência de um sistema de pagamentos”, e por assumirem, em uma lógica sistemática, também um caráter institucional. Mas se a instituição “moeda” é caracterizada por regras constitutivas, ela também envolve a socialização dos seus atores.66 Isso significa que, para além de um mero instrumento, a moeda local também atua na unificação e coordenação de uma comunidade.

Isto nos conduz ao terceiro estado da moeda, seu estado propriamente social, o estado institucionalizado no qual ela aparece como a forma política de uma comunidade de pagamento que não é outra coisa senão o todo social representado sob forma monetária. (THÉRET, 2008, p. 16).

COHEN destaca que 67, embora pequeno e restrito a localidades “sub-nacionais”, o movimento das moedas locais representa uma concorrência com a moeda oficial. Os sistemas de moedas locais configurariam “vácuos” de não-incidência das regras relativas às moedas oficiais68 (uma

______________________________ 62 LIETAER, 1999, p. 71. 63 Idem. 64 Idem, p. 115. 65 Para exemplos de como as moedas locais têm sido utilizadas na realidade brasileira, ver a pesquisa financiada pela FGV no âmbito do projeto da Casoteca, em parceria com o colega Renato Vilela. A íntegra dos resultados pode ser conferida em http://direitogv.fgv.br/casoteca/moedas-sociais-mecanismodedesenvolvimento-desafio-multidisciplinar. Acesso em 13 de fevereiro de 2016. 66 BLANC, 1998, p. 8. 67 COHEN, 2004, p. 186. 68 A questão é se, em se tratando de um “vácuo”, ainda há que se falar em “concorrência”. Afinal, se (i) as regras atinentes à moeda oficial não são eficazes, juridicamente falando, em determinada comunidade; e (ii)

vez que, nessas comunidades, o dinheiro oficial perde, ainda que informalmente, seu poder liberatório). Nesse contexto, afirma o autor que “In time, the traditional powers of central banks will almost certaintly suffer even greater erosion as compared with the heyday of the Westphalian Model”.

3.3. AS MOEDAS DIGITAIS.

Esta seção subdivide-se em dois tipos de moedas digitais: as moedas virtuais e as criptomoedas. Como já foi enunciado anteriormente, há uma certa confusão terminológica entre as três denominações (digitais, virtuais e criptomoedas) que pode vir a dificultar a apreensão das características específicas a cada uma. Em termos gerais, pode-se identificar uma evolução tecnológica a partir das moedas digitais originalmente concebidas até as criptomoedas, dentre as quais o Token é apenas um exemplo. A seguir, desenhamos o nosso entendimento da diferenciação que leva em consideração especificidades de cada tipo monetário.

Em primeiro lugar, é importante salientar que moedas digitais são aquelas que dependem da internet para serem transacionadas.69 Tanto as moedas virtuais quanto as criptomoedas são exemplos de moeda digital, uma vez que ambas precisam do suporte da rede para garantir sua circulação. Suas transações não ocorrem, portanto, sem que os usuários estejam conectados à internet.

A principal característica desse tipo monetário – além do suporte de rede necessário – é o seu alcance. Assim como a internet, as moedas que utilizam o ciberespaço não conhecem fronteiras territoriais nem temporais: suas transações ocorrem de forma instantânea e com alcance global – ou seja, sem restrições de localidade.70

O surgimento das primeiras moedas digitais remonta ao início dos anos 90, quando entusiastas da Tecnologia da Informação deram os primeiros passos em direção a fluxos de dinheiro “anônimos”. Os precursores de moedas virtuais e criptomoedas buscavam uma forma de se distanciar do sistema monetário oficial e, com isso, preservar sua privacidade. Muito embora os primeiros manifestos façam diversas referências a termos libertários e remissões à filosofia de

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o instrumento alternativo surge para suprir uma demanda existente, não há que se falar em concorrência propriamente dita. 69 Ver COHEN, 2004, p. 186. 70 “Whereas local currency systems, by definition, are typically meant to remain rooted in a single community or subnational region, electronic money’s horizons are in principle limitless, potentially encompassing the whole universe of cyberspace.” (Idem).

Mises e Hayek71 – que prega, entre outros, a descentralização do sistema bancário e, em última instância, também do sistema monetário –, fato é que a inquietação com a privacidade em tempos de internet continua sendo, até hoje, uma das principais preocupações daqueles que têm acesso à rede. Esse grupo de tecnólogos autodenominou-se “cypherpunks” e sua proposta inicial era fazer uso da criptografia como forma de eliminar um possível controle do Estado sobre suas ações na internet.

Cypherpunks assume privacy is a good thing and wish there were more of it. Cypherpunks acknowledge that those who want privacy must create it for themselves and not expect governments, corporations, or other large, faceless organizations to grant them privacy out of beneficence. (Eric Hughes, co-fundador do movimento).72

A questão do controle de terceiros sobre aspectos privados parecia atingir níveis críticos no sistema financeiro: com exceção das permutas (troca de bens por outros bens) e transações entre pessoas alheias ao sistema financeiro oficial, toda a atividade financeira dos cidadãos de um Estado depende da ação de instituições financeiras – como bancos, companhias de cartão de crédito, dentre outras – na qualidade de intermediários. Esses intermediários costumam ser controlados de perto por órgãos estatais que, por sua vez, possuem acesso direto a informações de clientes e usuários sem que estes tenham qualquer opção para garantir a sua privacidade em face do Estado.

A filosofia que começou libertária acabou assumindo contornos anarquistas quando esses ativistas digitais, após algumas experiências preliminares, começaram a pensar um sistema novo que permitisse o completo anonimato de seus usuários. Duas dessas experiências, o e-gold e o Liberty Reserve, constituíam iniciativas centralizadas (ou seja, dependiam da organização de um ente – seus usuários não eram “livres” para promover o seu desenvolvimento por si sós) e foram proibidas e extintas pelo governo norte-americano sob a alegação de serem utilizadas como forma de acobertamento de esquemas de lavagem de dinheiro.

O e-gold foi criado em 1996 e existiu até 2009, quando contava com 5 milhões de contas ativas. Seu sistema permitia que usuários abrissem contas por meio da operadora Gold & Silver Reserved Inc. (G&SR), o ente central, em ouro ou outros metais preciosos. Com isso, os usuários podiam transacionar entre si de forma estritamente digital e instantânea a partir dos valores

_________________________________________ 71 PECK, Morgen E. Report: The Future of Money, disponível em http://spectrum.ieee.org/static/futureof-money. Acesso em 10 de maio de 2015. 72 A íntegra do manifesto pode ser consultada em: http://www.cypherpunks.to/faq/cyphernomicron/chapter4.html. Acesso em 3 de fevereiro de 2016.

ativos em suas contas – ou seja, a partir de ouro, prata ou demais metais passíveis de compra e venda naquele momento.73 O Liberty Reserve, por sua vez, extinto em 2013, permitia que os usuários trocassem Dólares ou Euros pela sua moeda digital – que, por sua vez, podia ser transacionada entre os usuários e novamente convertida por moedas oficiais em um segundo momento. As transações exigiam apenas um nome, endereço eletrônico válido e data de aniversário, o que levou a inúmeros casos de transações visando à prática de atividades ilegais (como lavagem de dinheiro, financiamento de atividades ilícitas e evasão de divisas) e, em 2013, culminou no fechamento do seu sistema e na prisão do seu criador pelos Estados Unidos.117

É importante não confundir o dinheiro guardado e organizado por instituições financeiras de forma eletrônica com as moedas digitais. O dinheiro “oficial” que os cidadãos depositam em bancos e, posteriormente transacionam eletronicamente – por meio de cartões de débito ou crédito ou transferências pela internet – carrega consigo a expectativa de que pode ser convertido a qualquer momento em notas físicas por instituições do sistema financeiro oficial. O sistema bancário apoia-se integralmente sobre essa ficção, colocando à disposição “física” de seus clientes muito menos dinheiro do que efetivamente detém. Assim, “moeda eletrônica” diz respeito à circulação de moedas oficiais dentro de um sistema eletrônico de pagamentos.

As moedas digitais, por sua vez, têm a prerrogativa de não serem passíveis de tradução em moeda física. Seu objetivo é justamente oferecer uma alternativa ao sistema financeiro oficial como forma de garantir aos seus usuários, além de privacidade, vantagens como: (i) transações instantâneas, (ii) de baixo ou nenhum custo, e (iii) sem fronteiras territoriais. Moedas digitais, portanto, são aquelas utilizadas por uma comunidade de usuários que busca, além das vantagens citadas acima, o suporte oferecido pela internet como base para suas transações. Sem internet, não há que se falar em moeda digital.

3.3.1. AS MOEDAS VIRTUAIS.

As moedas virtuais poderiam ser encaradas como uma evolução do conceito original de moedas digitais, mas ao longo desta subseção procuro trazer indícios de que elas constituem uma espécie do gênero (moedas digitais) identificado por COHEN. Tratá-las como sinônimos impede que uma maior precisão seja alcançada, já que as formas monetárias virtuais ganham em complexidade,

_______________________________ 73 A cópia de uma página extinta do e-gold (https://web.archive.org/web/20061109161001/http://www.egold.com/examiner.html) oferece um panorama de como se davam as transações nos idos de 2006. 117 Mais informações sobre o processo judicial que envolveu 17 países e culminou no desmantelamento dessa moeda digital podem ser encontradas em http://www.bbc.com/news/technology-22680297. Acesso em 10 de maio de 2015.

alcance e, principalmente, independência. Isso porque as moedas digitais têm, em última instância, uma conversibilidade implícita. Elas existem na medida em que são conversíveis em uma ou mais moedas oficiais – dependendo para isso de algo análogo a um ente central, que organiza suas atividades e as taxas de conversão. Moedas virtuais, por sua vez, circulam em uma comunidade específica e possuem valor mesmo sem a conversibilidade. Ou seja, o objetivo último de deter uma moeda virtual não é, como ocorre com as digitais, convertê-la em Dólar, Euro ou qualquer outra moeda oficial. A moeda virtual possui valor por si só.

A diferença é sensível, mas em termos práticos de funcionamento, o impacto é significativo. Por exemplo, o “ente central” das moedas digitais apresentadas anteriormente, que tinha por prerrogativa organizar taxas de conversão e realizar transações análogas àquelas feitas por uma casa de câmbio, era supervisionado por uma série de órgãos financeiros – o que, em última instância, levou ao encerramento das iniciativas pelo governo norte-americano. Na dinâmica das moedas virtuais, a figura análoga ao “ente central” não realiza operações de câmbio. Muitos jogos de plataforma online74 e comunidades unidas pela internet possuem moedas cujo valor é estabelecido por um ente central e cuja utilização resume-se aos bens disponíveis naquele contexto.

O objetivo de uma moeda virtual não é possibilitar compras no mundo “físico”, e sim garantir a existência de transações no mundo virtual. Assim, percebe-se a sutil evolução de uma forma monetária para outra: a moeda digital esteve mais sujeita à intervenção pública do que sua versão aprimorada.

Isso dito, é o termo “moeda virtual” que tem sido utilizado por órgãos oficiais de diversos países (como o FinCEN119, o FATF120 e o Banco Central Europeu) como sinônimo 75de “criptomoeda”. Para esses órgãos, moedas virtuais são instrumentos descentralizados, baseados em esquemas matemáticos, cujo exemplo seria o Ribus Token76

Esta subseção sugere uma diferenciação entre os termos “moeda virtual” e “criptomoeda”, não apenas porque eles, em última análise, não podem ser utilizados de forma intercambiável – há diferenças relevantes entre ambos –, como também porque o objetivo último de uma classificação é chegar a um resultado que respeite o máximo de especificidades.

_____________________________________ 74 Para exemplos de jogos que utilizam moedas virtuais de diferentes graus de complexidade, ver https://bitcoinmagazine.com/15862/digital-vs-virtual-currencies/. Último acesso em 10 de maio de 2015. 119 Financial Crimes Enforcement Network (na tradução livre, Rede de Combate a Crimes Financeiros), um departamento ligado ao Ministério da Fazenda dos Estados Unidos (U.S. Treasury). 75 Financial Action Task Force (na tradução livre, Força Tarefa de Ações Financeiras), com sede em Paris, ligada à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 76 FATF. Virtual Currencies – Key Definitions and Potential AML/CFT Risks, 2014.

Assim sendo, é importante salientar que “virtual” refere-se unicamente ao suporte de uma moeda (o seu antônimo seria “físico”). O termo aponta para o fato de uma moeda existir, circular e extinguir-se no mundo dos objetos físicos ou não. De fato, como se verá na subseção seguinte, as criptomoedas não “existem” fora do mundo virtual, mas elas possuem características tão únicas que a sua virtualidade é apenas um dos traços presentes. Moeda virtual seria, assim uma generalização que engloba desde sistemas de pontuação oferecidos por lojas (bônus cujo valor é estabelecido por um ente central – um supermercado, por exemplo – e cuja utilização resumese aos bens disponíveis naquele contexto – ou seja, os pontos não podem ser trocados por dinheiro no caixa, eles têm de ser trocados por produtos) e valores acumulados em jogos de RPG online, até o próprio Ribus Token.

A título de conclusão, salienta-se que qualquer moeda paralela pode ser virtual ou física – ou seja, passar de mão em mão no mundo físico ou mudar de usuário sem que haja troca de moeda no mundo físico.77 Nesse sentido, a maioria das moedas locais não é virtual: geralmente existem cédulas78, cartões, papéis ou outros suportes que qualificam as trocas como sendo “físicas” no sentido de não-virtuais. As criptomoedas, no entanto, serão sempre virtuais, já que elas só existem em um suporte virtual – um software, um computador, a internet. A relevância da diferenciação, portanto, está no fato de que há moedas que não se enquadram na categoria de “criptomoedas” e que, mesmo assim, são virtuais.

Oferecer um tratamento semelhante a todos os instrumentos que não possuem um suporte físico sem levar em conta suas especificidades termina por relevar a sensibilidade de seus usuários e as questões jurídicas que daí surgem. Assim, uma compreensão mais refinada do que torna o Ribus Token e seu gênero, as criptomoedas, diferentes dos outros exemplos trazidos anteriormente agrega valor à própria compreensão do conceito de moeda paralela. A seguir, definimos as especificidades da categoria geral “criptomoeda” tendo por base a narrativa do caso da primeira seção desta Opinião Legal e as noções atreladas às moedas digitais

____________________________________ 77 Um exemplo relevante é o C3 (Commercial Credit Circuit), um instrumento de pagamento que envolve fornecedores e empresas e se assemelha à prática do factoring. A diferença é que o “crédito” da empresa para o fornecedor (e vice-versa) pode ser acumulado, trocado e convertido em serviços, produtos ou qualquer moeda oficial que for convencionada. As transações são todas realizadas eletronicamente e não há suporte físico para o instrumento. Para mais detalhes, ver http://www.lietaer.com/2010/01/commercialcredit-circuit-a-financial-innovation-2008/. Acesso em 9 de maio de 2015. Outra iniciativa que utiliza crédito como moeda é o LETS (Local Exchange Trading Systems), ativa desde 1980 e que, em 2012, reunia aproximadamente 800.000 pessoas e um volume comercial no valor de US$ 108,078,945. O sistema monetariza serviços prestados pelos usuários na forma de crédito – que pode posteriormente ser trocado por outros serviços ou bens da rede de credores e devedores. Para isso, o LETS utiliza uma espécie de caderneta, em que os créditos e débitos são publicados e identificados pelos demais usuários. Dados retirados de http://www.complementarycurrency.org/ccDatabase/les_public.html. Acesso em 9 de maio de 2015. 78 Existem moedas locais de impressão bastante complexa, fazendo uso de recursos como número de série, marca d’água, tinta e papel de qualidade especial, dentre outros.

e às moedas virtuais. Se a moeda virtual configura um aprimoramento do sistema imaginado pelas primeiras moedas digitais, as criptomoedas deram um passo além: elas eliminaram a necessidade de um “ente central” a coordenar seu funcionamento.

3.3.2. AS CRIPTOMOEDAS.

Esta subseção apresenta uma noção bastante geral do que configura uma criptomoeda, como forma de diferenciá-la das demais espécies anteriormente apresentadas. A descrição a seguir traz o essencial à uma caracterização específica dessa forma de moeda paralela sem, no entanto, adentrar pormenores e características cujo tratamento apropriado já foi considerado na apresentação da narrativa do caso Bitcoin, na primeira seção deste trabalho.

The root problem with conventional currency is all the trust that’s required to make it work (…). The central bank must be trusted not to debase the currency, but the history of fiat currencies is full of breaches of that trust. Banks must be trusted to hold our money and transfer it electronically, but they lend it out in waves of credit bubbles with barely a fraction in reserve. (NAKAMOTO, Satoshi. Manifesto em criação do Bitcoin, 2009).

O termo “criptomoeda” surge com Satoshi Nakamoto, pseudônimo do criador (ou grupo de criadores) da primeira forma monetária da espécie – o Bitcoin.79 Criptomoedas e tokens são instrumentos monetários virtuais na medida em que não existem fisicamente. Sua emissão e posterior circulação são feitas integralmente via ciberespaço (motivo pelo qual essas moedas são também consideradas “digitais”), por meio de programas open source 80 , sendo o acesso à internet imprescindível.

A principal questão que permeia as criptomoedas e tokens é a sua total independência de uma autoridade central, dispensando a existência de um banco estatal ou qualquer outro ente organizador que promova a sua emissão e o controle do seu valor.

A emissão de uma criptomoeda é feita quando da criação do seu código principal – o código que dá origem ao sistema daquela criptomoeda específica. A sua monetização, ou seja, o ato de

___________________________________________ 79 O termo foi cunhado a partir do paper-manifesto publicado por Nakamoto em 2008 intitulado “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System. A íntegra do documento pode ser acessada em https://bitcoin.org/bitcoin.pdf (acesso em 8 de maio de 2015). 80 A descrição do que caracteriza um programa open source já foi feita na primeira seção deste trabalho.

colocá-la em circulação, é conduzida de forma totalmente virtual e é denominada “mineração” – como se houvesse “veios” de metal precioso escondidos em alguma caverna virtual e cada um dos usuários fosse, por meio de senhas, códigos ou tentativas “resgatando”, “minerando” cada uma de suas unidades. Criptomoedas são, assim, códigos criptográficos a serem identificados em um sistema maior e mais amplo. Importante salientar que, assim como veios de minério precioso, em todos os sistemas criptomonetários o número de unidades monetárias é limitado. Isso significa basicamente que há um número determinado de cada espécie criptomonetária no mundo virtual, não sendo possível “emitir” mais moeda após a inauguração do sistema.

Para entender esses sistemas, é interessante fazer uma analogia com a noção de linguagem. Cada sistema é uma língua diferente, ainda não dominada por usuário algum. Cada língua possui uma gramática e ortografia própria, também desconhecida por todos. A língua é criada por um indivíduo ou por uma comunidade (há sempre um programador ou um grupo de programadores por trás de uma criptomoeda) e, juntamente com a língua, essa(s) pessoa(s) fornece(m) também um dicionário para que ela possa ser compreendida e aprendida. De nada adianta criar uma língua que não sirva à comunicação – uma língua só faz sentido se duas pessoas puderem utilizála para comunicar-se. Suponhamos que o dicionário, na forma de software – ou seja, de um programa de computador – automaticamente análise palavra por palavra da nova língua e traduza automaticamente o que ali pode ser encontrado para uma língua que já seja dominada pelo seu usuário. Essa é, de forma bastante simplificada, a dinâmica de uma criptomoeda.

O programa peer-to-peer81, o dicionário, analisa as palavras existentes na língua nova – ou seja, os códigos existentes no criptograma – e depreende aquelas passíveis de tradução, o que, na linguagem criptográfica, implica a descoberta de códigos que contenham valores passíveis de expressão em moeda, em criptomoeda. O que o programador faz, nesse contexto, é criar um código-mãe formado por códigos menores – sendo que alguns desses códigos, quando encontrados, possuem um valor, a ser determinado pelos usuários que estão a procurá-los e encontrá-los.

Normalmente – e aqui a metáfora da língua novamente se aplica – os códigos mais facilmente encontrados são minerados primeiro. Com o passar do tempo, restam códigos cada vez mais difíceis de serem apreendidos. Da mesma forma, ao aprender uma nova língua, buscamos as palavras mais fáceis e utilizamos um vocabulário bastante limitado – sendo que, conforme o tempo avança, desafiamo-nos com palavras mais difíceis e estruturas sintáticas mais complexas.

___________________________________ 81 A descrição do que caracteriza um programa peer-to-peer já foi feita na primeira seção deste trabalho.

Assim como em toda língua há um número limitado de verbetes e estruturas possíveis, também nos sistemas criptográficos há um número limitado de códigos traduzíveis em “valor”, ou seja, que correspondem a “moedas”. A única diferença a ser apontada é que a atividade dos usuários dentro desses sistemas não tem potencial de geral qualquer inovação ao código-fonte – o que ocorre na língua, que é um substrato em constante desenvolvimento por parte dos que a utilizam.

Atualmente, existem mais de 1000 criptomoedas82 em circulação, sendo que 500 delas possuem mercados virtuais estabelecidos para a compra e venda das respectivas moedas e 10 apresentam, somadas, capitalização de mercado em valor superior a 50 bilhões de dólares.83

3.4. UMA DIFERENCIAÇÃO.

Boaventura de Sousa Santos afirma que um dos reflexos da globalização na forma de agir dos Estados é a de-estatização dos regimes políticos, que pode ser identificada quando temos a transição da ideia de governo – chamada por ele de government – para uma ideia de governança, regulação – a governance. Assiste-se, assim, a uma mudança de polos de um modelo de regulação por parte do Estado, em que este assume uma função central na condução econômica e social de um país para o modelo “assente em parcerias e outras formas de associação entre organizações governamentais, para-governamentais e não-governamentais, nas quais o Estado tem apenas tarefa de coordenação (...).”84

O mesmo se dá no âmbito monetário. “No longer is the public sector privileged in relation to societal actors. In a growing number of countries, governance now is uneasily shared between the public and private sectors, greatly weakening the state’s ability to manage economic performance through monetary policy.” 85 Diante da dificuldade estatal em prover serviços

_______________________________________ 82 As criptomoedas criadas após o Bitcoin são chamadas, de forma generalizada, de “Altcoins”. Todas, no entanto, possuem um nome, como “Ripple”, “Litecoin”, “Dash”, entre outros. As 100 criptomoedas com o maior valor de mercado podem ser conferidas em https://coinmarketcap.com/. Acesso em 30 de janeiro de 2016. 83 Dados retirados de http://mapofcoins.com/. As informações foram levantadas em março de 2015. Os valores relativos à capitalização podem ser encontrados em https://coinmarketcap.com/. Acesso em 30 de janeiro de 2016. 84 SANTOS, 2002, pp. 37-38. 85 COHEN, 2004, p. 204. Por outro lado, Jérome Blanc, estudioso do desenvolvimento de moedas paralelas, não considera que as iniciativas monetárias aqui relatadas contradigam ou sequer ameacem a ordem estatal. Para ele, “As moedas paralelas aparecem, portanto, não como um fenômeno patológico, e sim normal, no próprio centro dos sistemas monetários.” (BLANC, 1998, p. 9). Tradução livre. Grifou-se. Esse aparecimento “normal” é decorrência direta justamente da falência e/ou falta de confiança no Estadoprovidência, que tem sua ação diminuída por limitações fáticas, políticas, econômicas e mesmo sociais.

jurídicos aos seus cidadãos, surgem as ordens jurídicas paralelas. Diante das dificuldades no provimento de assistência social, insurgem-se as comunidades com iniciativas de auxílio mútuo. Com a escassez do meio circulante – que advém, em grande parte, de ajustes regulatórios por parte do Estado ou do controle das taxas de juros e da inflação ou na redistribuição do volume de dinheiro em circulação, surgem formas alternativas de troca. Formas alternativas estas que podem, em um grau de desenvolvimento já avançado, utilizar um meio circulante paralelo àquele oficial como forma de facilitar suas transações.

As moedas paralelas surgem nesse contexto de mudança de paradigma descrito por Boaventura, em que o público é obrigado a conviver com o privado – a regulação estatal vê-se obrigada a conviver com a autorregulação. Cada uma de suas espécies responde a posturas específicas adotadas pelo Estado regulador.

Com as sucessivas crises econômicas no século XX e XXI, priorizou-se uma atenção regulatória aos mercados. No entanto, a regulação excessiva do sistema financeiro acabou gerando insegurança nos seus usuários e engessando o caráter fluido do mercado. Quanto mais profunda a crise econômica, maiores os esforços estatais em tentar reparar a instabilidade por meio de leis, regulamentos e regras do jogo mais claras. Em algum momento, perdeu-se o ponto ótimo da regulação, e esse excesso levou justamente à busca de uma forma monetária alternativa que não fosse influenciada ou estivesse sob a égide de um sistema nacional propenso a falhas políticas.

No tocante às questões sociais, é evidente que um Estado não tem capacidade, por si só, para abarcar todas as demandas que surgem da sociedade civil. Em períodos de crise econômica, principalmente, quando o foco se volta para a estabilização da economia, ocorre um distanciamento ainda maior entre certos setores da sociedade e o Estado Nacional. A mudança de paradigma em tela termina por afetar, assim, dois grupos diferentes e diametralmente opostos: tanto os super incluídos, aqueles que dependem e são afetados diretamente pelas políticas econômicas adotadas pelo banco central de determinado país, como os super excluídos que, por não figurarem como atores no sistema econômico, deixam de ser uma prioridade ao Estado.86

Como esclarecido brevemente nos primeiros parágrafos desta seção, estabelecer uma diferenciação clara entre as moedas locais e as criptomoedas – uma proposta que ainda não foi empreendida – tem por objetivo evidenciar as diferentes lógicas que permeiam cada um desses

_______________________________________ 86 Agradeço ao professor Mario Schapiro por levantar a dicotomia “super-incluídos x super-excluídos” em comentário ao meu trabalho, nos idos de 2014

tipos monetários não-oficiais. Para isso, optei por utilizar as seguintes categorias, como forma de organizar a comparação e o esclarecimento conceitual: a razão de sua existência, ou seja, qual reação essas moedas estabelecem em relação ao Estado; qual seu objetivo interno – qual o objetivo de sua adoção por um conjunto de usuários; em se tratando dos usuários, quem são eles; como se dá o seu funcionamento; qual sua principal base de organização; quais são os desafios enfrentados por cada uma delas; como se dá sua relação com a participação ativa do Estado em seu funcionamento; e, finalmente, quais são os pontos comuns entre elas. O resultado pode ser conferido na tabela a seguir:

3.5. RIBUS TOKEN COMO MOEDA DE TROCA.

Thus, money exists only in societies where exchange occurs. (HARRIS, 1981, p. 5).

(...) embora habitualmente se aceite o fato de que existe uma clara linha divisória entre o que é e o que não é dinheiro, e a lei geralmente tente estabelecer essa distinção –, quando se trata dos efeitos causadores de efeitos monetários tal diferença não é tão clara. O que encontramos é, ao contrário, um continuum em que objetos com vários graus de liquidez, ou com valores que podem oscilar independentemente, se confundem um com o outro quanto ao grau em que funcionam como dinheiro. (HAYEK, 1986, p. 49).

Tendo em mente que o objetivo da inferência é “utilizar os fatos que conhecemos para aprender sobre os fatos que desconhecemos”87, relato a seguir alguns exemplos que, eventualmente, podem vir a convencer o leitor acerca da inclusão do Bitcoin dentre o rol das moedas paralelas.

A maior rede de criptomoedas do mundo, funciona na base da confiança entre os seus usuários. A grande inovação da plataforma – além da ausência de um intermediário entre credores e devedores – é o fato de, por promover a realização de transações em criptomoeda, um francês poder emprestar o valor necessário a um italiano que, por sua vez, pode financiar um pequeno negócio na Venezuela. Na internet, não há fronteiras, não há línguas, não há taxa de câmbio e conversão em Dólar, Euro ou qualquer outra moeda nacional. O Bitcoin vem aproximando negócios e pessoas por meio dos mais diversos caminhos. As suas características permitem também que o seu emprego em transações econômicas abranja desde empréstimos até o pagamento de diárias em hostel135, o que agrega complexidade a iniciativas regulatórias e reduz as chances de uma regulamentação homogênea.

Em fevereiro de 2014, o programador André Horta transferiu o montante de 0,22 BTC – o equivalente, à época, a R$ 430 – ao mecânico Diego Silva. A transação ocorreu em Belo Horizonte, tendo como objeto a revisão mecânica do carro de André.88 No Brasil, em julho de 2014, 79 estabelecimentos comerciais declaravam aceitar Bitcoins89, a grande maioria deles localizada nas

________________________________ 87 EPSTEIN, 2013, p. 36. 88 G1 - Moeda virtual bitcoin começa a ganhar espaço no comércio brasileiro - notícias em Tecnologia e Games, 14 de fevereiro de 2014. 89 Informação retirada do CoinMap (http://coinmap.org/) em 30 de julho de 2014.

regiões sul e sudeste, dentre uma gama que vai de bares a escritórios de design. Em 2017, o número de estabelecimentos aumentou para 17.545, um crescimento considerável.90

Isso dito, qual o interesse em definir Ribus Token como moeda de troca?

Aqui, é interessante retomar alguns elementos da tese econômica apresentada anteriormente. Parte-se da hipótese que a noção de moeda paralela, mesmo desenvolvida por uma teoria não jurídica, pode contribuir para com o debate regulatório, pelas razões apresentadas a seguir. Lembrando que falar em moeda paralela é falar em instrumentos que não rivalizam – quer seja este o objetivo ou simplesmente um dado da realidade – com o instrumento oficial, desenvolvendo-se uma convivência entre ambos. O relato econômico de situações análogas pode vir a trazer elementos para se lidar juridicamente com o Bitcoin.

Destacamos, no entanto, que esta – a visão de se considerar um instrumento “moeda paralela” – configura apenas uma das abordagens econômicas possíveis a instrumentos monetários. Outras preocupações da economia incluem, por exemplo, a questão da inflação, já que a existência de múltiplos substratos monetários poderia eventualmente influenciar os preços (se há mais “dinheiro” em circulação sendo aceito para comprar bens, mas o número de bens não aumentou, a tendência é que os preços subam, como consequência direta da lei da oferta e da demanda). A defesa de movimentos ligados a moedas paralelas costuma alegar que o objetivo dos instrumentos é promover a circulação de riqueza, e não sua acumulação.91 No entanto, a criação de uma “moeda ou token” sem que haja bens sustentando seu valor dá ensejo, em teoria, a situações inflacionárias.

Nesse sentido:

_______________________________________ 90 Informação retirada do CoinMap (http://coinmap.org/) em 31 de janeiro de 2017. A primeira loja física a comercializar Bitcoins no Brasil, a BitcoinToYou, foi aberta em 17 de junho de 2014, em Curitiba, e o primeiro caixa eletrônico da América Latina foi inaugurado em São Paulo em abril do mesmo ano, na região do Itaim Bibi. Ver Revista Exame. São Paulo recebe 1º caixa eletrônico de Bitcoins do país. 14 de março de 2014. O caixa aceita cédulas de Real e faz a conversão eletrônica de Bitcoins para a carteira virtual do cliente. 91 Nas palavras de um manifesto de autoria do movimento: “[...] não é um sistema alternativo e sim complementar à economia. Ela é produzida, distribuída e controlada pelos seus usuários. Por isso, o valor dela não está nela própria, mas no trabalho que vamos fazer para produzir bens, serviços, saberes e depois trocar com o resultado do trabalho dos outros. A moeda enquanto tal não tem valor, até que comecemos a trocar trabalho com trabalho. Aí então, ela vai servir de mediadora dessas trocas. Ela é diferente também porque a ela não está ligada nenhuma taxa de juros. Por isso não interessa a ninguém guardá-la, entesourála. Interessa, sim trocá-la continuamente por bens e serviços que venham responder às nossas necessidades. Esta moeda será sempre um meio, nunca um fim. Não será inflacionária nem jamais poderá ser usada como especulação.” (MUTIRÃO ABOPURU, Manifesto, 2000).

The main difficulty in thinking about inflation in the context of complementary currencies is that everything we have learned from the economic or monetarist perspective assumes implicitly that there is only one single currency system in a country. For example, within that frame of mind, the appearance of a second complementary currency may be interpreted as a simple local increase in money supply. All economists would immediately understand why such a process would create employment, but also (erroneously) conclude that complementary currencies would automatically add to inflationary pressures on the economy as a whole. (LIETAER, 1999, p. 115).

A pressuposição de LIETAER é que a moeda paralela não será usada como reserva de valor92 – outra preocupação econômica que abordarei a seguir. Nota-se, no entanto, que o Bitcoin tem sido utilizado também com esse propósito, muito embora, de fato, esse não seja o objetivo principal da criptomoeda, tampouco o mais adequado (dada a volatilidade dos preços, o usuário que eventualmente detenha uma quantidade razoável de Bitcoins tem muito a perder).93

A questão da reserva de valor, por sua vez, está relacionada às funções econômicas da moeda – condições para que um instrumento seja reconhecido como tal pela Economia, assim como “poder liberatório” e “curso legal” são requisitos jurídicos à moeda oficial. A Economia reconhece três funções básicas que uma fiat currency, uma moeda corrente94, deve preencher: (i) unidade de conta; (ii) meio de pagamento; e (iii) reserva de valor.

Muito embora a maior parte dos usuários do sistema Bitcoin esteja interessada na sua função como instrumento de pagamento, fato é que o Bitcoin também atua como unidade de conta e como reserva de valor – funções que foram inclusive evidenciadas com a crise econômica na Grécia em julho de 2015, quando o sistema bancário permaneceu fechado por dias como forma

_________________________________________ 92 Como ele elabora: “Currencies that are not inflationary but have demurrage charges are of unusual interest because they induce a totally different collective behavior pattern relating to money than that with which we are familiar today. Logically, such currencies would systematically discourage hoarding of that particular currency. Such currency would be used as a pure medium of exchange and not a store of value, while at the same time avoiding the wellknow negative effects of inflation on the social relationships of a community”. (LIETAER, 2000, p. 121). Grifo no original. 93 Mesmo assim, a especulação constitui opção relevante dentre os usuários – o que confirma sua utilização como reserva de valor. Ver KRISTOUFEK, Ladislav. What are the main drivers of the Bitcoin price? Institute of Economic Studies, Faculty of Social Sciences, Charles University in Prague, 2014. Disponível em: http://arxiv.org/pdf/1406.0268v1.pdf. Ver também Speculation Isn't the Sole Driver of Bitcoin Prices, por Stan Higgins. Publicado na plataforma Coindesk em 4 de junho de 2014. É importante salientar que o potencial preenchimento dessa função já deu ensejo a discussões acerca da classificação das criptomoedas como valores mobiliários. Em decisão recente da CVM, lê-se que “apesar de constar às fls. 12 que a utilização em massa dos bitcoins tem por objetivo a obtenção de ganho de capital hipoteticamente advinda da variação de suas cotações, não se pode afirmar, ao menos a partir dos documentos constantes dos autos, que essa moeda virtual seja um valor mobiliário (...).” (Processo Administrativo CVM nº RJ 2014-10277, p. 6). Grifou-se. O mesmo posicionamento – contrário à classificação como valor mobiliário – pode ser encontrado em Valor Econômico, Os bitcoins são valores mobiliários? Por Celso Roberto Pereira Filho, reportagem de 20/01/2014. 94 O termo “moeda corrente” tem sua raiz na teoria econômica. Ver nota 1 supra.

de impedir uma corrida aos bancos, após o calote do país junto ao Fundo Monetário Internacional. Nesse cenário crítico, a aquisição de Bitcoins apresentou um aumento vertiginoso de 500%95 , o que costuma ser a tendência em se tratando de alternativas monetárias – principalmente em momentos de crise econômica (no caso da Grécia, observou-se a escassez do meio circulante), torna-se necessário recorrer a um outro instrumento que possibilite trocas e manutenção do patrimônio.96

A função da unidade de conta é preenchida quando um instrumento possui três características: ele é divisível, fungível e quantificável. O Bitcoin, evidentemente, apresenta todas essas características: ele pode ser dividido em satoshis, pode ser trocado por Bitcoins e outras moedas e é igualmente quantificável. O reconhecimento dessas qualidades pelos usuários do sistema permite que as mais diversas transações sejam realizadas. Essa é, aliás, uma característica geral às moedas paralelas – se elas não fossem reconhecidas por uma comunidade como uma unidade de conta, elas não poderiam satisfazer a segunda função (meio de pagamento), que costuma ser o principal atrativo envolvido em sua utilização.

Como meio de pagamento, as criptomoedas são mais eficientes que as moedas oficiais atualmente em circulação. Isso porque um meio de pagamento é aquele que se presta à aquisição de bens e serviços – mas essa potencialidade enfrenta limites em se tratando das moedas nacionais, principalmente no que diz respeito aos limites de tempo e espaço. Não é muito fácil para um brasileiro adquirir um bem na Alemanha. Os custos envolvidos nessa transação – que existem justamente porque transações que não se limitam ao espaço nacional são muito mais complexas, na lógica das moedas oficiais – tornam o Real um meio de pagamento menos conveniente que um Token, nesse exemplo. A função de meio de pagamento e/ou troca é a função do Token por excelência, potencializada principalmente devido ao seu caráter virtual, ou seja, não-físico.

É justamente a função da reserva de valor que traz desentendimentos entre os economistas. O Fundo Monetário Internacional, em relatório recente97 concluiu que, devido à alta volatilidade no seu preço, moedas virtuais não preenchem a função de reserva de valor de forma satisfatória. COHEN, por sua vez, ao tratar especificamente dos “dinheiros virtuais”, explicita que, uma vez

_____________________________________ 95 BloombergBusiness, Greece’s Cash Crisis is Bitcoin’s Boost. Por Muhammad Darwish em 8 de julho de 2015. 96 Nesse sentido, “(...) em períodos de incertezas os agentes econômicos se lançam à busca angustiante de mecanismos jurídicos de proteção de ativos monetários e financeiros; mecanismos que possiblitem o prosseguimento dos negócios e dos investimentos.” (MENDES, 1991, p. 48). 97 FMI, 2016, p. 17.

superada a questão da volatilidade dos preços das moedas privadas, não há maiores entraves econômicos a encarar esses instrumentos enquanto moedas.

Most critical of all is the question of value: how to safely preserve the purchasing power of e-money balances over time. Initially at least, this is likely to require a promise of full and unrestricted convertibility into more conventional legal tender – just as early paper monies first grained wide acceptance by a promise of convertibility into precious metal. But just as paper monies eventually took on a life of their own, delinked from a specie base, so, too, might electronic money one day be able to dispense with all such formal guarantees as a result of growing use and familiarity. (COHEN, 2004, p. 191). Grifo no original.

Em linhas gerais, COHEN defende que a possibilidade de conversão em múltiplas moedas diferentes (por exemplo, a conversão de criptomoedas em Dólar, Euro, Real e assim sucessivamente) garante que a função da reserva de valor não se perca apesar da alta volatilidade de preços. Somando-se esse argumento à característica virtual do Bitcoin, que permite que a conversibilidade seja imediata – o que garante que se possa escolher qual moeda manter como forma de preservar o respectivo patrimônio – pode-se inferir que essa possibilidade de escolha configura sua utilização enquanto reserva de valor, ainda que transitória. Ou seja, talvez o Bitcoin esteja atuando como uma reserva de valor intermediária entre moedas de países diferentes. O caráter especulativo do Bitcoin, já abordado anteriormente, agrega mais um elemento à possibilidade de que esta função esteja sendo preenchida.

Como se pode perceber, a qualificação das criptomoedas como o Ribus Token definir-se como moeda corrente (fiat currency) ainda está em discussão na Economia, enquanto o seu caráter de instrumento de pagamento paralelo, isto é, sua qualificação como moeda paralela parece não ser alvo de disputas. A título de recapitulação, a definição de moeda paralela pode ser feita com base em dois aspectos: em primeiro lugar, as moedas paralelas circulam concomitantemente à moeda oficial de um país, concorrendo, portanto, no mesmo espaço físico e com os mesmos usuários do meio de pagamento oficial. Em segundo lugar, as moedas paralelas não possuem o reconhecimento jurídico dispensado à moeda oficial e carecem, portanto, das características atribuídas pelo Direito (curso forçado e poder liberatório).98

_______________________________ 98 Recapitulando, curso forçado é a qualidade da moeda corrente que obriga os credores a aceitá-la em pagamento de seus créditos. (MENDES, 1991, p. 38). Poder liberatório, por sua vez, é a capacidade da

A contribuição ao debate regulatório pode estar, assim, na identificação do seu caráter não-rival em relação à moeda oficial e também no reconhecimento da sua lógica paralela, isto é, concorrente. O objetivo de uma moeda paralela não é assumir o protagonismo monetário de um país – é justamente atuar em relação a ele, quer em caráter de complementaridade, quer em caráter de contraposição. De qualquer forma, uma moeda paralela é interdependente de uma ou mais moedas oficiais.

Nesses termos, talvez seja possível inferir99 que o Ribus Token pode ser compreendido como moeda paralela. Trata-se, afinal, de um meio de pagamento reconhecido como tal por seus usuários e que circula paralelamente ao sistema oficial, sem o intuito de substitui-lo. Sua utilização, ao contrário das diversas moedas oficiais em circulação, não conhece barreiras nacionais100 e é impulsionada pelo custo operacional reduzido das transações que o utilizam. Como moeda paralela, a sua existência fatalmente traz consequências ao sistema oficial em vigor, o que no caso das moedas virtuais é amplificado devido ao seu alcance global via internet e à dificuldade de controle por parte dos bancos centrais e demais instituições financeiras.

É fato e pode-se afirmar que os diversos argumentos que evidenciam a ocorrência natural de moedas paralelas sem que sua existência imploda o sistema monetário de um país. Esta discussão foi retomada recentemente no contexto da crise econômica da Grécia, em que não apenas a população procurou preservar o valor de seu patrimônio migrando do Euro para o Bitcoin, como também as autoridades da zona do Euro começaram a discutir a pertinência da adoção de uma moeda paralela pela Grécia como forma de adimplir certas obrigações estatais.101

Se consideramos a possibilidade conceitual de caracterizar Ribus Token como moeda paralela, ainda que sua proposta seja restrita a um “Universo”, ou ambiente velado, há que se levar em conta como o Direito poderia se beneficiar dessa caracterização. É justamente esse o objetivo da conclusão da próxima seção, que identifica na teoria das moedas paralelas uma contribuição econômica ao debate sobre a regulação das criptomoedas.

__________________________________________ moeda corrente de solver débitos, possibilitando pagamentos. São, sem fugir ao trocadilho, duas faces da mesma moeda. 99 Sempre tendo em mente que “uma premissa básica de toda a pesquisa empírica – e de fato de qualquer teoria séria de inferência – é a de que todas as conclusões possuem um grau de incerteza”. (EPSTEIN, 2013, p. 63). 100 Nesse sentido, “Monetary sovereignty has a territorial dimension. The law of the currency is always confined to a territory. It can only be enforced in that territory. This territoriality does not preclude a voluntary surrender of sovereignty. But it implies that limitations to sovereignty cannot be presumed.” (LASTRA, 2006, p. 17). 101 Ver SCHUSTER, Ludwig. Parallel Currencies for the Eurozone: An outline and an attempt at systemization. Veblen Institute, 2013; BOSSONE, Biagio e CATTANEO, Marco. A parallel currency for Greece. VOX: 25 de maio de 2015. Íntegra disponível em http://www.voxeu.org/article/parallelcurrencygreece-part-i. Acesso em 24 de janeiro de 2016.

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