🛂Experiências regulatórias

Everything that a people desires, does, suffers, is – is reflected in a people’s monetary system. (SCHUMPETER). Grifo no original.

Devido à sua rápida disseminação virtual, as criptomoedas alcançam, hoje, praticamente todos os locais em que o acesso à internet é possível. Diante de sua crescente popularização e do número cada vez maior de usuários, diferentes jurisdições têm se posicionado acerca do fenômeno.

Esta última seção tem por objetivo compilar e apresentar as experiências regulatórias de que se tem notícia até o momento. O levantamento foi realizado com base nos dados fornecidos pelo observatório identificado na introdução deste trabalho 102 , que avalia e anuncia quaisquer notícias relacionadas ás criptomoedas – incluídos aí os posicionamentos regulatórios dispensados pelos Estados –, e teve por resultado a construção do Anexo I – contendo um quadro esquemático que acompanha cada um dos desdobramentos jurídicos já identificados, por jurisdição. Importante ressaltar que o observatório não alcança os debates que se dão no interior da doutrina jurídica e da jurisprudência, ou seja, as fontes consultadas dizem respeito principalmente a documentos originados nos diferentes poderes executivos e, em alguns poucos casos, textos de opinião contendo pontos de vista de membros do Executivo, economistas e juristas. Isso não se mostrou um impedimento às conclusões aqui depreendidas, já que parece ser evidente que o Direito não pode ser encontrado exclusivamente em normas e regulamentos. Assim, tendo por base os substratos elaborados e transcritos nos Anexos I, foi possível identificar algumas tendências no tratamento jurídico do Bitcoin, que serão apresentadas a seguir.

É importante ressaltar que, via de regra, os documentos consultados fazem alusão a termos mais gerais que estes ativos virtuais – como “moedas virtuais” ou “criptomoedas” – mas isso não interfere nos resultados encontrados, principalmente porque, como já se demonstrou anteriormente, foi o Bitcoin, com o seu volume de transações e sua crescente utilização, o principal desencadeador desse tipo de discussão regulatória.

_____________________________________ 102 A plataforma Coindesk é uma publicação independente que conta com repórteres em diversos países (Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Japão, dentre outros), declarando-se “world leader in news and information on digital currencies such as bitcoin, and its underlying technology – the blockchain”. Suas bases de dados estão conectadas a 67 fontes midiáticas que, somadas ao seu trabalho de jornalismo investigativo, trazem atualizações diárias também nos status regulatórios do Bitcoin em todo o mundo.

A partir do levantamento, foi possível reunir os diferentes posicionamentos em três posturas, que se desdobram, por sua vez, em ações relacionadas a outros aspectos regulatórios. Há, por exemplo, jurisdições que não se engajam no debate jurídico quanto ao caráter monetário ou não do Ativo Virtual. Aqui, nota-se um reconhecimento simples da existência do fenômeno, passando-se à extração de consequências jurídicas pontuais (como a tributação) e/ou à ampliação de outros campos de atuação (como na esfera penal, principalmente em relação à lavagem de dinheiro e ao financiamento de atividades ilícitas). Há ainda aquelas jurisdições que, direta ou indiretamente, adentram a discussão acerca de aspectos monetários da moeda virtual – como, por exemplo, a afirmação clara de que o instrumento não possui curso forçado, ou que ele não rivaliza com a moeda oficial, ou, pelo contrário, que ele rivaliza com a moeda oficial. Finalmente, em uma terceira posição, há jurisdições que declaram estar monitorando ou estudando as criptomoedas – em alguns casos, promovendo discussões em sede legislativa (como no Canadá) acerca de possíveis marcos e desenhos regulatórios.

É neste momento da dissertação que fica clara a associação entre conceitos econômicos e jurídicos da moeda que procuramos realizar ao longo deste trabalho. A condição jurídica de um instrumento não muda a possibilidade de que ele seja regulado – ou seja, há situações em que, mesmo não aventado o caráter monetário de uma moeda pelo Direito, ainda assim a regulação se faz necessária. Nesses casos, como proceder?

A conceituação das moedas paralelas e das criptomoedas, em um primeiro momento, e, em um segundo momento, a associação realizada entre elas, podem agregar mais elementos à “complexificação” do fenômeno e à sua compreensão e, com isso, espera-se, permitir uma regulação mais atenta e permeável às características do Bitcoin.

4.1. ANÁLISE DOS DADOS.

Dentre as jurisdições listadas que se manifestaram em relação às criptomoedas, parece ser possível distinguir três linhas de posicionamento que, por sua vez, ramificam-se em outras ações regulatórias.103 São elas:

_______________________ 103 As notas de rodapé a seguir estão compiladas no Anexo II, que traz especificamente os eventos a que fazem referência.

I) Publicação de nota de alerta, combinada ou não com requisição ou proposta de estudos e obtenção de mais informações por parte do regulador. Por vezes, há a formação de grupos de trabalho no Legislativo (Canadá 104 , França 105 , Nova Zelândia106) ou no Banco Central (Reino Unido107, Suécia108) para discutir modelos regulatórios. Normalmente, o trabalho de discussão resulta na publicação de relatórios;

II) Criação de implicações jurídicas sem que se discuta aspectos monetários. Geralmente resulta em desdobramentos tributários. É o caso, por exemplo, da Austrália 109 , do Brasil158, Bulgária159 e Eslovênia.160 Muitas jurisdições adotaram 110111112 essa linha em um primeiro momento para, em seguida, discutir outras questões atinentes ás criptomoedas (como questões monetárias, por exemplo);

_____________________________ 104 Fonte: http://www.cbc.ca/news/business/bitcoins-aren-t-tax-exempt-revenue-canada-says-1.1395075. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 105 “Rapport d'information n° 767“, de autoria dos senadores Philippe Marini e François Marc, datado de 23 de julho de 2014. Fonte: http://www.senat.fr/rap/r13-767/r13-767_mono.html#toc0 e em formato pdf: http://www.senat.fr/rap/r13-767/r13-7671.pdf. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 106 Fonte: http://www.stuff.co.nz/technology/digital-living/30008862/bitcoin-beauty-or-bubble. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 107 Fonte: http://www.bankofengland.co.uk/publications/Documents/quarterlybulletin/2014/qb14q3digitalcurrencies bitcoin2.pdf. Em março de 2015, o Ministério da Fazenda do Reino Unido publicou novo relatório, no qual se anuncia os planos de regulação atualmente discutidos para o Bitcoin e a alocação de recursos e pessoal para investigar e estudar a tecnologia utilizada pela criptomoeda. Fonte: https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/414040/digital_currencies_ response_to_call_for_information_final_changes.pdf. 108 Fonte: http://www.riksbank.se/Documents/Rapporter/Ekonomiska_kommentarer/2014/rap_ek_kom_nr02_14061 7_eng.pdf. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. Poucos meses depois, um novo relatório foi publicado pelo órgão, trazendo os riscos, benefícios e desafios da moeda virtual. Fonte: http://www.riksbank.se/Documents/Rapporter/POV/2014/2014_2/rap_pov_artikel_4_1400918_eng.pdf. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 109 Fonte: http://www.afr.com/news/policy/tax/ato-targets-bitcoin-users-20130624-jhj8r#. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. Em agosto de 2014, o órgão declarou que o Bitcoin não é dinheiro nem moeda estrangeira, mas é considerado um ativo financeiro para fins do imposto sobre ganho de capital. Para mais informações, ver: https://www.ato.gov.au/General/Gen/Tax-treatment-of-crypto-currencies-in-Australia--specificallybitcoin/ e Challenges for Australia’s Tax System, disponível em http://bettertax.gov.au/files/2015/03/01_Challenges-Australias-tax-system.pdf. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 110 Folha de S. Paulo. Brasileiro tem que declarar bitcoin; IR pode ser cobrado. Mercado, 07/04/2014. Ver também Valor Econômico. Receita define regra para taxação de IR sobre bitcoins, reportagem de 06/04/2014. 111 Fonte: http://www.nap.bg/document?id=8614. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 112 Fonte: http://www.durs.gov.si/si/davki_predpisi_in_pojasnila/dohodnina_pojasnila/dohodek_iz_kapitala/dobicek _iz_kapitala/vrednostni_papirji_in_delezi_v_gospodarskih_druzbah_zadrugah_in_drugih_oblikah_organi ziranja_ter_investicijski_kuponi/davcna_obravnava_poslovanja_z_virtualno_valuto_po_zdoh_2_in_zddp o_2/. Acesso em 3 de fevereiro de 2016.

III) Criação de implicações jurídicas com base em elementos “monetários” do Bitcoin. Um exemplo disso é o posicionamento da Rússia113 que, por considerar o Bitcoin um “substituto monetário”, optou inicialmente por proibi-lo. A Irlanda114, por sua vez, adotou essa postura quando seu Banco Central declarou que o Bitcoin não é considerado moeda legal no país.

Importante salientar que as três linhas de posicionamento podem ser combinadas e adotadas conjuntamente por uma mesma jurisdição, em uma solução híbrida. É o caso da Holanda, por exemplo, que adotou a publicação da nota de alerta115, a inclusão do Bitcoin no rol de incidências tributárias específicas sem discutir seu caráter monetário164 e, finalmente, o judiciário holandês, após uma discussão acerca do caráter monetário do Bitcoin, resolveu qualificá-lo como um objeto. 116

É interessante apontar também o desenvolvimento temporal que ocorre na maioria dos casos. Em um primeiro momento, uma instituição – geralmente o Banco Central – emite uma nota de alerta sobre o assunto. Essa costuma ser a primeira manifestação executiva em relação à criptomoeda. Em seguida – talvez com o surgimento de problemas jurídicos ou devido ao aumento do volume transacionado, que desencadeia preocupações de ordem financeira – costuma-se regular pontualmente determinados aspectos do Ativo, principalmente questões tributárias. Não haveria, aqui, uma preocupação expressa com o caráter monetário da criptomoeda, e sim o objetivo de sanar dúvidas ou eliminar “vácuos” legais – como aqueles que surgiriam em hipóteses de evasão de divisas ou lavagem de dinheiro via criptomoeda. Em um estágio mais maduro de discussão, adentra-se o posicionamento III, notando-se a inquietação quanto à classificação jurídica do Ativo e, em alguns casos, o interesse em provar a sua nãoclassificação como moeda de curso forçado. Essa desclassificação pode aparecer também, no

_____________________________________ 113 Fonte: http://www.coindesk.com/russia-lowers-proposed-penalties-bitcoin-activities/. Ver também http://www.coindesk.com/russia-proposes-fines-bitcoin/ e http://cointelegraph.com/news/112815/itisimpossible-to-technically-ban-decentralized-cryptocurrencies-due-to-the-nature-of-the-internetevgenyvolovik. Fonte: http://regulation.gov.ru/project/17205.html?point=view_project&stage=2&stage_id=13089. Todas as páginas acessadas em 8 de julho de 2015. 114 Fonte: http://oireachtasdebates.oireachtas.ie/debates%20authoring/debateswebpack.nsf/takes/dail201312100005 4?opendocument. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 115 Fonte: http://www.loc.gov/law/help/bitcoin-survey/index.php#netherlands. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 164 “Antwoord van de Minister van Financiën op vragen van het lid Nijboer (PvdA) aan de minister van Financiën over de opkomst van de Bitcoin als digitale betaaleenheid”, documento datado de 10 de abril de 2013. Original com a autora. 116 Fonte: http://www.dutchnews.nl/news/archives/2014/07/dutch_prosecutors_now_have_pow/. Acesso em 3 de fevereiro de 2016.

entanto, na própria nota de alerta, como é o caso da Bélgica 117 , Coreia do Sul 118 , Indonésia 119 e Malásia.120

Percebe-se que a nota de alerta tem sido a manifestação mais comum das jurisdições no tocante ao Ativo Virtual. Trata-se de nota emitida, geralmente, pelos bancos centrais, que comunica aos investidores os “perigos” referentes à utilização deste Ativo (flutuação no preço, problemas de segurança na rede, fraudes, dentre outros) e declara que o órgão está supervisionando o instrumento sem, no entanto, a intenção de regulá-lo naquele momento. O posicionamento costuma permitir que a criptomoeda circule, legalmente, sem que se desenvolva uma regulação específica.

Outro resultado relevante diz respeito à multiplicidade de classificações jurídicas atribuídas aos Ativos Digitais, que variam desde “unidade de conta” – conceito estritamente econômico, como já foi visto anteriormente – até “dinheiro” – ambas noções ligadas à segunda linha das posturas descritas, em que parece haver uma preocupação ou referência direta ao caráter monetário do Bitcoin. O gráfico a seguir resume os dados encontrados:

________________________________________ 117 Fonte: http://pt.scribd.com/doc/240574802/belgium-s-federal-public-service-finance-addressesbitcoinvat. 118 The Korea Herald, Korea decides not to recognize Bitcoin as real currency. Matéria de 10 de dezembro de 2013, disponível em http://www.koreaherald.com/view.php?ud=20131210000673. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 119 Fonte: http://www.bi.go.id/en/ruang-media/siaran-pers/Pages/SP_160614.aspx. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 120 Fonte: http://www.bnm.gov.my/index.php?ch=en_announcement&pg=en_announcement_all&ac=275. Acesso em 3 de fevereiro de 2016.

Gráfico 03. Classificações jurídicas atribuídas ao Bitcoin, por número de países.121 Fonte: elaboração própria.

O gráfico foi construído a partir de informações reunidas no quadro esquemático do Anexo I, e traz os termos exatos utilizados por cada documento analisado. Uma ressalva, apenas: Optamos por diferenciar “mercadoria” e “bem” porque, no português, há uma distinção na tradução de “goods” e “commodities”. Por exemplo, “common good” é comumente traduzido por “bem comum”.122

Outra distinção importante: muitos países têm diferenciado o instrumento Token da atividade virtual utilizada para adquiri-la. A mineração é considerada análoga, em diversos casos, a um emprego ou a um serviço. Essa diferenciação é relevante para fins tributários, uma vez que a classificação da atividade nesses termos enseja a incidência de impostos sobre a renda ou sobre serviços prestados, criando mais fatos geradores para o instituto da criptomoeda – isto é, além dos fatos geradores referentes à sua circulação.

Afora isso, como se vê no gráfico acima, pode-se perceber que a classificação jurídica da do Token está longe de ser uma unanimidade. No entanto, como ela está sendo incorporada às ordens jurídicas majoritariamente pela via do Direito Tributário, a classificação tende a ser elaborada de acordo com os termos utilizados pela legislação tributária de cada país.

Outra conclusão pertinente é que, das jurisdições que optaram pela proibição de uso e circulação das criptomoedas, todas acabaram por acionar, para isso, o campo do Direito Penal, criminalizando a conduta dos usuários. As penas para a utilização das criptomoedas em transações variam desde multas, até prisão. Curiosamente, os países que impõem a proibição terminam por levar em consideração justamente o caráter monetário da criptomoeda, inserindose na terceira linha de posicionamentos descrita anteriormente. Alguns por exemplo, reconhecem na criptomoeda um “substituto monetário”, utilizando-se da denominação para justificar sua proibição.

Ainda no que diz respeito ao acionamento do Direito Penal, algumas jurisdições ampliam tipos penais existentes para incluir a possibilidade de cometimento por intermédio das criptomoedas – geralmente, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e financiamento de atividades ilegais, como

________________________________________ 121 Algumas jurisdições possuem mais de um entendimento acerca da natureza jurídica do Bitcoin, enquanto outras apresentaram alterações no seu posicionamento ao longo do tempo. 122 Nota-se que o termo “good” costuma ser mais utilizado em documentos que fazem referência ao Direito Privado (contratos e direito do consumidor) e “commodity” normalmente aparece em documentos de caráter tributário.

terrorismo e tráfico de drogas. Nesses casos, há a edição de um instrumento normativo acrescentando transações em criptomoedas aos tipos penais da lei correspondente.

Nota-se que delegar a tarefa regulatória a um campo jurídico ou ente estatal constitui uma estratégia de países que não pertencem à União Europeia – isso porque o Banco Central Europeu já tem se manifestado123 no sentido de regular instrumentos virtuais de pagamento124, ao que as legislações dos países-membros estarão sujeitas. Os principais incumbidos de regular o Ativo digital são, até o momento, os ministérios da Fazenda, os órgãos de supervisão financeira, as leis comerciais e as leis de proteção ao consumidor. Ainda que indiretamente, essa alocação constitui um posicionamento dos países no sentido de categorizar as criptomoedas de acordo com um campo do Direito específico – sempre tendo em mente que a opção pelo Direito Tributário continua sendo a escolha principal, alcançando 22 jurisdições.

Outras opções minoritárias são:

(a) proibir a utilização das criptomoedas por instituições financeiras, mas não por indivíduos (Colômbia125; posicionamento III);

(b) a utilização da lógica da moedas virtuais pelo Judiciário, que possui sua própria carteira virtual e realiza buscas e apreensões da moeda (Holanda178, posicionamentos II e III);

(c) equiparar o Ativo Digital a um sistema eletrônico de pagamentos (Espanha126 , posicionamento III);

(d) equiparar o as criptomoedas à moeda de curso forçado (Estados Unidos 127 , posicionamento III);

(e) adoção da tecnologia blockchain pelo sistema financeiro (Ilha de Man 128 , posicionamento II);

__________________________________ 123 Fonte: https://www.eba.europa.eu/documents/10180/657547/EBA-Op201408+Opinion+on+Virtual+Currencies.pdf. 124 Acórdão ECLI:EU:C:2015:718 no Processo C-264/14 (íntegra disponível em http://curia.europa.eu/juris/documents.jsf?num=C-264/14, acesso em 3 de fevereiro de 2016). 125 Fonte: http://www.banrep.gov.co/es/comunicado-01-04-2014. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 178 Fonte: http://www.dutchnews.nl/news/archives/2014/07/dutch_prosecutors_now_have_pow/. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 126 Fonte: http://www.coindesk.com/spain-cracks-bitcoin-gambling-loopholes/. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 127 FINCEN. Application of FinCEN's Regulations to Persons Administering, Exchanging, or Using Virtual Currencies, FIN-2013-G001, 18 de março de 2013. Íntegral disponível em: https://www.fincen.gov/statutes_regs/guidance/html/FIN-2013-G001.html 128 Fonte: http://www.coindesk.com/isle-of-man-trials-first-government-run-blockchain-project/. Acesso em 3 de fevereiro de 2016.

(f) proposta de identificação de usuários que movimentem valores superiores a determinado montante em criptomoedas (Itália129, posicionamento II);

(g) estabelecimento de limite de valor passível de ser transacionado (Espanha130 , posicionamento II);

(h) equiparar contratos realizados em criptomoedas a instrumentos financeiros (Polônia184, posicionamento II);

(i) equiparar a instituição de troca de moeda oficial por moedas digitais a uma organização sem fins lucrativos, sujeita à auto regulação (Suíça131, posicionamento II);

(j) equiparar a instituição de troca de moeda oficial por moeda virtual a uma figura análoga a um banco (França132, posicionamento II);

(k) reconhecer nas moedas virtuais as três funções econômicas da moeda – unidade de medida, meio de pagamento e reserva de valor (Argentina133 , posicionamento III).

4.2. QUESTÕES JURÍDICAS RELEVANTES.

VCs [virtual currencies] pose a definitional challenge to regulators. VCs combine properties of currencies, commodities, and payments systems, and their classification as one or the other will often have implications for their legal and regulatory treatment—in particular, in determining which national agencies should regulate them. Finding a consistent classification for VCs even within the same jurisdiction has proven difficult, as different competent authorities may classify them according to their own policy priorities. (FMI, 2016, p. 24). Grifou-se.

_______________________ 129 Fonte: http://www.coindesk.com/italian-amendment-treat-bitcoin-like-cash/. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 130 Fonte: https://www.ordenacionjuego.es/en/que-es-el-juego-ilegal. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 184 Fonte: http://www.coindesk.com/polish-finance-ministry-says-bitcoin-can-used-financial-instrument/ e ainda http://www.coindesk.com/polish-tax-authority-bitcoin-mining-profits-subject-22-vat/. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 131 Fonte: http://www.coindesk.com/swiss-regulators-give-green-light-bitcoin-atm-network/, https://www.finma.ch/en/search/#query=bitcoin&Order=4 e relatório publicado pela FINMA em 25 de junho de 2014. Original com a autora. 132 Fonte: http://arstechnica.com/tech-policy/2012/12/bitcoin-going-mainstream-exchange-approvedtooperate-as-a-bank/. Acesso em 3 de fevereiro de 2016. 133 Fonte: http://www.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/230000-234999/231930/norma.htm. Acesso em 3 de fevereiro de 2016.

Se analisarmos o que foi desenvolvido na subseção anterior e conjugarmos com os resultados obtidos nos anexos ao fim deste trabalho, as principais questões jurídicas que surgem no posicionamento adotado pelas jurisdições188 são: (a) se e como tributar as criptomoedas; (b) como qualificar juridicamente as criptomoedas; (c) como controlar atividades ilegais possibilitadas pelo “anonimato” da internet189; (d) como rastrear e identificar os usuários e suas transações; e (e) quando e como começar a trazer implicações jurídicas à utilização das criptomoedas.

A tributação ou não de uma criptomoeda está intimamente associada à qualificação jurídica que o ordenamento de determinado país lhe atribui. Ao longo da descrição dos posicionamentos adotados por cada jurisdição (Anexo II), procuramos destacar os diferentes significados legais que as criptomoedas têm assumido – tais como “mercadorias”, “bens”, “instrumento de pagamento”, “substituto monetário”, e “renda”.

O que se pode perceber é que o aspecto tributário costuma ser o primeiro a assumir relevância regulatória, em se tratando desse tipo de moeda paralela – e que, a partir daí, as autoridades competentes enquadram-na juridicamente de acordo com seus interesses arrecadatórios.

A Receita Federal brasileira, por exemplo, foi a primeira instituição do país a classificar as moedas digitais, definindo-o como um “ativo financeiro” para que sobre ele incidisse o imposto de renda – e, com isso, abriu também um precedente no ordenamento nacional em relação à classificação da criptomoeda. Enfim, o que se tem visto até o momento é que Tokend adentram os diferentes sistemas jurídicos majoritariamente pela via tributária, e esse caminho tem pavimentado a classificação jurídica que as criptomoedas vão assumir em regulamentações posteriores dentro dos diversos países onde estão inseridas.

188 61 países, mais a União Europeia. 189 Lembrando que existe uma diferença significativa entre “anonimato” e “pseudonimato”, como procurei esclarecer na narrativa do Bitcoin.

Nesse sentido, um braço do Ministério da Fazenda dos Estados Unidos, o FinCEN (Financial Crimes Enforcement Network), publicou recentemente algumas balizas legais que englobam o que foi assumido até agora por diferentes autoridades tributárias ao redor do mundo. São elas: (1) a criptomoeda é uma propriedade privada, não uma moeda de curso forçado (moeda legal), e portanto, deve ser tributado como um bem de capital; (2) o lucro proveniente da venda de criptomoedas em troca de moeda de curso forçado está sujeito a impostos incidentes sobre ganhos de capital; (3) compras de bens e serviços realizadas em criptomoedas também devem ser contabilizadas como ganhos (de capital); (4) criptomoedas obtidas por meio de mineração são reconhecidas como renda, sendo o seu valor computado em relação ao dia que a moeda foi “adquirida”; (5) o equipamento utilizado na mineração de criptomoedas pode ser deduzido na categoria de bens de capital.134

Se a regulação dos instrumentos criptomonetários está diretamente relacionada à qualificação jurídica que eles assumem nas diferentes jurisdições, o mesmo poderia ser dito acerca da relação entre o anonimato das redes e a responsabilidade dos usuários.191

Em tempos de internet, em que por vezes a faceta virtual dos cidadãos termina por assumir um volume maior que sua participação real no mundo, é inegável que o espaço virtual assume importância e desafios de extrema complexidade. Principalmente se levarmos em conta que um rastro digital é muito mais difícil de ser seguido pelas autoridades do que um rastro concreto. Atentos a isso, diversos países têm combinado esforços para contornar o anonimato virtual e restringir a liberdade total possibilitada pelo ciberespaço. Um exemplo dessa iniciativa é a ITOM, Illegal Trade on Online Marketplaces, liderada pela Holanda em conjunto com os Estados Unidos e a União Europeia. Trata-se de um plano financiado pela UE e executado por polícias especiais como a Europol (UE), a Eurojust (UE), o FBI (EUA) e a BKA (Alemanha), cujo objetivo último é reduzir o cyber-anonimato e tornar possível o rastreamento de usuários que se escondem na rede para praticar atividades criminosas.135 O plano possui três eixos, sendo o último deles especificamente o Bitcoin.193

_________________________________________ 134 Fonte: Department of Treasury – Financial Crimes Enforcement Network, Application of FinCEN’s Regulations to Persons Administering, Exchanging, or Using Virtual Currencies. FIN-2013-G001, publicado em 18 de março de 2013, íntegra do documento disponível em http://www.fincen.gov/statutes_regs/guidance/pdf/FIN-2013-G001.pdf. Acesso em 24 de janeiro de 2016. 191 A opção até o momento tem sido no sentido de regular e controlar os gatekeepers, intermediários que realizam a troca de Bitcoin por moeda oficial e vice-versa. “In determining who to regulate, national authorities have mostly targeted VC market participants and financial institutions that interact with them. While the issuance and transfer of VCs between users are less likely to pass through an intermediary, the interface between VCs and the broader economy—payments for goods and services and exchanges with fiat currency—will often go through a VC exchange or other VC service provider. In addition, in light of the limited size of the VC network, it is generally accepted that VC users will have to “cash out” at some point— that is, convert their VCs into fiat currency. Recognizing these features of the current market, regulators have targeted “gatekeepers.” In practice, this has been done in two ways: (i) by regulating VC market participants that provide an interface with the broader economy (for example, VC exchanges); and/or (ii) by restricting the ability of regulated entities (for example, banks) to interact with VCs and VC market participants”. (FMI, 2016, p. 25). 135 Uma apresentação completa do plano, apresentada à Comissão Europeia em 2013, pode ser acessada em https://www.deepdotweb.com/2014/09/28/itom-europes-plan-crack-online-drug-trade/. Último acesso em 3 de fevereiro de 2016. A comunicação extra-oficial por parte da Procuradoria da Holanda está disponível em http://static3.volkskrant.nl/static/asset/2014/Reactie_Openbaar_Ministerie_6685.pdf. 193 A apresentação

Se, portanto, em um primeiro momento os países parecem demonstrar uma preocupação mais significativa em relação ao aspecto tributário das criptomoedas, parece que, pouco a pouco, são as preocupações em relação à sua utilização ilegal ou criminosa que passam a exigir a atenção das autoridades.194

E como a noção de moedas paralelas pode influenciar o Direito nesse cenário? Trata-se de conceituação que dispensa a preocupação dos Estados em excluir ou negar o caráter monetário oficial das criptomoedas. Uma vez superada essa questão, as jurisdições podem desenvolver um arcabouço regulatório que abarque as especificidades das criptomoedas e priorize os desafios inerentes ao seu formato virtual, bem como os interesses de cada ordenamento, sem maiores inquietações jurídicas quanto ao seu caráter monetário.

Last updated